Lula de Novo | ||
Acabei
de votar. Conforme eu previra em meu artigo Lula
e o Futuro, o homem terá mesmo mais 5 anos, e por pouco não
leva-os já no primeiro turno. Aconteceu o previsto; como diz o
refrão de campanha, Lula de novo, com a força do povo. E
quem sou eu para ir contra o povo? É verdade que sempre fui muito
crítico em relação à mentalidade deste nosso
zé-povinho, mas nunca pretendi dizer-lhes o que devem comer, o
que devem fazer nas horas vagas ou em quem votar. Que seja feita a vontade
da maioria.
Mas para o país, esta Era Lula é claramente um retrocesso em relação às modestas reformas modernizantes levadas a cabo na era FHC. Conspira a favor de Lula o bom momento da economia mundial, que cresce ininterruptamente desde que o homem assumiu, ao passo que seu antecessor teve que enfrentar seguidos solavancos - crise na Ásia, crise na Argentina, atentados do WTC, e por aí afora. Lula voa em céu de brigadeiro, e pode alardear bons resultados, e até fingir que governou. Mas a comparação não deixa dúvida: ano passado nosso crescimento pífio de 2,3% só foi superior ao do Haiti, país quase em colapso. Este ano o resultado não deve ser diverso, enquanto nossos vizinhos crescem a taxas que são o dobro, e a Argentina chega a 8%. Um solavanco um pouco mais forte na economia mundial pode nos jogar por terra, literalmente. Mas além da sorte, Lula tem contado com a complacência da oposição, o que ficou bem visível no debate com a figura insípida do chuchu Alkmin. Este limitou-se a bater na tecla da corrupção, sem muita ênfase, e evitou a todo custo entrar no mérito de projetos e idéias, não procurando por um instante sequer refutar o modelo petista de governo. Quando Lula acusou-o de querer privatizar empresas, ao invés de defender as vantagens da privatização, que sempre foram pontos do programa do PSDB, ele pareceu acuado como garoto pego em flagrante fazendo travessura. Alkmin é acometido do mesmo mal que também ocorre com os ex-petistas, como é o caso do ex-Ministro da Educação Cristovam Buarque, cuja argumentação trôpega foi alvo de minha mordacidade em Considerações Acacianas. Em um recente artigo, Cristovam defende as cotas raciais nas universidades, e... no mesmo parágrafo, reconhece que elas não funcionam. Heloísa Helena também deixou à vista diversas incoerências em suas promessas de campanha. O fato é que estas pessoas discordam do PT, mas não conseguem exprimir em palavras sua discordância porque seu discurso é idêntico ao do PT. Só conseguem repetir os mesmos chavões, as mesmas idéias. A Era Lula, no Brasil, também é a era da novilíngua, conceito inventado por George Orwell em seu romance 1984, onde ele concebeu um Estado totalitário que pretendia criar uma nova língua na qual as idéias consideradas subversivas não teriam representação, partindo do pressuposto de que uma idéia que não pode ser expressa em palavras terminaria por desaparecer de todas as mentes. Mas contrastando com a eficiência com que o discurso petista apossou-se de todos os políticos, o modus operandi petista carece de qualquer sofisticação ou novidade - a começar pela corrupção. Sem reverter as reformas "neoliberais" de seu antecessor - isto seria matar a galinha dos ovos de outro - Lula aumentou a presença e o controle do Estado sob a economia, implementando uma espécie de getulismo tardio, e esmerou-se na política clientelista bem conhecida dos antigos caciques das oligarquias. Alguns observadores demasiado jovens (ou desmemoriados) podem até achar que alguma coisa está mudando, mas para quem possui um razoável conhecimento de nossa História recente, isto tudo é dejà vu. O velho método de dar bastante milho aos porcos para depois ter bom toicinho. Comprando deputados no varejo com o mensalão, ou eleitores no atacado com o bolsa-esmola, Lula vai garantindo sua permanência no poder com o apoio da parcela mais pobre da população, não coincidentemente a mesma que sempre apoiou políticos como ACM, Maluf, Jader Barbalho, Sarney, velhos próceres das "classes conservadoras" que sempre foram tidos e havidos como a perfeita antítese do PT. Terá ocorrido uma súbita guinada ideológica na fatia mais pobre do eleitorado? Não é bem este o caso. Quem está com a chave do cofre, agora, é Lula. Aqueles que idealizavam um Lula marxista revolucionário têm motivos para estar decepcionados com o Lula populista tosco que acaba de ser reeleito. Quanto a mim, esta suposta traição de Lula aos princípios de seu partido não surpreende nem um pouco. O programa original do PT (acho que já foi retirado do site) não era social-democrata, propunha simplesmente a abolição do capitalismo. Totalmente inexeqüível fora da via revolucionária. Qualquer governante esquerdista que chega ao poder pelas urnas, no dia seguinte à posse é colocado diante de uma realidade cabal: vai ter que governar. E sabe que o programa de seu partido é totalmente inviável, são palavras-de-ordem boas para se berrar de um palanque, mas sem nenhuma serventia no mundo real, aquele onde se tem que pagar as contas e fazer as coisas acontecerem. Todo esquerdista que chega ao poder por eleições é necessariamente um traidor da causa revolucionária. O populismo rasteiro característico de Lula é a única implementação possível do ideário petista. E tampouco me surpreende que Lula sinta-se tão a vontade neste papel. É só dar uma olhada naquele cartaz de campanha, em que ele aparece beijando um garotinho no ombro de seu pai: nota-se que a pose não é forçada, Lula parece mesmo feliz "como pinto no lixo". Ultimamente ele vem referindo-se ao povo como "seus filhos". Tudo isto só confirma aquilo que afirmei em meu artigo A Pirâmide e o Sanduíche: no Brasil, apenas a renda separa a camada mais rica da camada mais pobre da população; de resto, ambas são assemelhadas cultural e psicologicamente (parafraseando JJ Chiavenatto). De fato, o que distingue Lula dos velhos "coronér" do sertão é apenas sua origem pobre, pois de resto, exatamente como eles, Lula vê os homens do povo como seus filhos e dependentes, e considera o dinheiro público como pertencendo-lhe pessoalmente, cabendo a ele distribuí-lo da forma que melhor lhe aprouver. Em razão de suas raízes como homem do povo, Lula sempre esteve profundamente imbuído desta mentalidade. Por vezes ele chega a lembrar um daqueles jogadores de futebol que, enriquecendo, saem a distribuir dinheiro a rodo por parentes, amigos e amigos de amigos, iniciando um processo que, não raro, termina por arruiná-los e transformar seus familiares em um bando de vagabundos. A Era Lula em que estamos vivendo parece nem ter bem chegado à metade. Como será daqui por diante? Sinceramente não sei. Sentindo-se fortalecido, Lula pode tirar algumas cartas de debaixo da manga. Mas será que ele tem mesmo para mostrar alguma coisa que ainda não tenha mostrado? Preocupa-me mais a economia: como eu já disse, um tranco mais forte pode tirar tudo dos eixos. A crise resultante pode precipitar o fim da Era Lula, mas também pode conduzir a uma maior radicalização. Não sou profeta. Mas a meu ver (e espero estar certo) e Era Lula deve terminar aos poucos pelo desgaste natural de um modelo ultrapassado e estéril. A população se cansará dos baixos índices de crescimento, dos altos juros, dos altos impostos, e quem sabe nossos políticos reaprenderão as palavras que podem ser usadas para refutar o ideário petista. Então começaremos tudo de novo: privatizar as companhias que Lula está fundando, diminuir o Estado, fundir ministérios uns nos outros, controlar gastos, desburocratizar, destinar o acesso aos bancos universitários apenas aos mais capacitados de qualquer raça. A esta altura, com certeza, já estaremos a uma considerável distância dos demais países emergentes, aqueles que estão fazendo isto tudo agora. Chegamos a ser a oitava economia do mundo, e desde então já fomos ultrapassados sete vezes. Triste sina. Há duas maneiras de aprender, a fácil e a difícil, mas sempre preferimos a difícil. Contraposta a esta minha previsão pautada no conformismo porém algo otimista, existe outra previsão, catastrofista, que vê um Lula conspirando com Fidel Castro, Hugo Chávez e Evo Morales, todos reunidos sob o Foro de São Paulo, confraria semi-secreta fundada por Lula 15 anos atrás e que teria como objetivo promover a revolução comunista e criar no continente uma espécie de União das Repúblicas Socialistas Sul-Americanos, sucessora da ex-URSS (recriar na América Latina o que foi perdido no leste europeu, afirmou Fidel na primeira reunião do Foro). Esta denúncia tem sido repetida com insistência pelo filósofo Olavo de Carvalho. Peço desculpas aos adeptos de OC, mas não consigo levar isto a sério. Não que eu tenha a pretensão de negar que o Foro de São Paulo existe, ou que não acredite que certas pessoas tenham segundas intenções, o que eu não consigo conceber, nem fazendo força, é o PT conseguindo concretizar este projeto com o material humano de que dispõe. Brasil, comunista? Não dá. O PT é por demais venal e arrogante. E a venalidade e a arrogância têm, ao menos, este lado bom: elas fazem malograr tanto as boas quanto as más idéias. É como uma espécie de creolina, um desinfetante muito forte que faz tudo dissolver e escorrer ralo abaixo. Espero ser este o destino da era petista. Até lá, a única conseqüência da mentalidade anti-capitalista de nossa gente será dar respaldo a sucessivos governos gastadores e ladrões, sugando a poupança do país em prol do nobre objetivo de distribuir a renda. Diz o provérbio, nunca se deve desejar demais alguma coisa, pois se corre o risco de obtê-la... O fato é que temos desejado Lula há várias eleições, e foi até com certo alívio que o vi eleito em 2002. Agora vamos conferir. Com certeza, alguma lição aprenderemos. |
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