Perguntas Brasileiras  
  Quando estou a fim de uma leitura leve, cato na net algum artigo de Cristovam Buarque. No site da revista Brazzil tem uma porção. Para quem não sabe, o último cargo de Cristovam foi o de ministro da educação de Lula, cargo pelo qual ele passou tão rápido que não deu nem para esquentar a cadeira. Foi ele também o autor daquela monumental réplica à pergunta feita por um repórter estrangeiro, cobrando-lhe uma posição "de humanista" quanto à internacionalização da amazônia (este texto muito provavelmente o leitor já conhece, e encontra-se reproduzido na net aos magotes, em dezenas de sites e bloggers). Mas tirando este bom momento, duas coisas sempre me chamaram a atenção em Cristovam: primeiro, a sua capacidade de revestir de grandiloqüência as mais rasteiras obviedades, o que faz dele o grande Conselheiro Acácio da era Lula (o conselheiro Acácio, para quem não sabe, é um personagem de Eça de Queiroz, que passava por grande sábio embora só proclamasse obviedades). Segundo, a sua total incapacidade em propor qualquer projeto ou solução palpável, mesmo que de nível básico. O teor de seus artigos não mudou em nada de AL para DL (isto é, Antes de Lula e Depois de Lula). É sempre a mesma chorumela de críticas genéricas dirigidas a entidades abstratas, como "as elites". Cristovam parece que nem notou que seu partido chegou ao poder, e agora que ele, Cristovam, está no governo, dele se espera ação, e não críticas. Obedecendo a um impulso irrefreável, ele continua escrevendo como um opositor, o que, de certa forma, confirma uma antiga suspeita minha - de que o PT é um partido que só consegue fazer oposição, e uma vez no poder, não será capaz de fazer coisa alguma além de demolir a si próprio. Como aquela vizinha faladeira que, dizem as más línguas, tem tão forte propensão à maledicência, que na falta de uma vítima é capaz de caluniar a si mesma.

Mas Cristovam tem outra característica que eu considero notável. Seus artigos são um resumo muito bem organizado da coleção de equívocos e sofismas que há tempos vêm norteando sucessivas gerações de intelectuais e políticos de esquerda. Ele próprio é o protótipo do petista que ora está no poder (deliberadamente excluo deste modelo a Lula, que é mera figura de proa): o Intelectual Universitário, com seu pedantismo rançoso, sua inutilidade prática e seu moralismo duvidoso. Responder a seus artigos é como dar uma aula de recuperação, e por este motivo já o fiz anteriormente, em meu artigo A Nova Abolição. Agora, aproveito que alguém mandou para o meu email uma lista de instigantes questões levantadas pelo Conselheiro Acácio do século XXI - Perguntas Brasileiras, Cristovam Buarque - e munido de paciência, procurarei responde-las de forma satisfatória.

Perguntas brasileiras
Por Cristovam Buarque

1.Por que, no Brasil, reservaram as prisões para os negros e as universidades para os brancos?

Isto é um sofisma. Sofisma, para quem não sabe, é um raciocínio correto erigido sobre bases falsas, feito em geral maliciosamente, por pessoas que estão cientes da falsidade de suas premissas. De fato, há poucos negros em universidades e muitos negros na cadeia. Mas isto não ocorre porque há discriminação racista da parte de professores e delegados de polícia. Isto decorre de causas históricas cuja apreciação não é da conta de quem redige provas de vestibular ou boletins de ocorrência nas delegacias.

2.Por que começamos a exportar aviões antes de parar a exportação de crianças para adoção?

Aí reside um equívoco básico - a crença de que a riqueza não se produz, mas é pré-existente e limitada, e por conseguinte, aquele que toma para si uma grande fatia necessariamente diminui a fatia alheia. Assim, investir em uma atividade custosa como construir aviões supostamente causaria a piora das condições de vida da parcela mais carente da população. Não tem um pingo de lógica, mesmo porque a EMBRAER não mais se nutre de verbas públicas desde que foi privatizada. O sucesso da indústria aeronáutica brasileira, ao invés de causar orgulho a Cristovam, é lamentado por ele. Talvez porque comprove a eficácia das privatizações.

3.Como foi possível inventar rodízio de churrasco antes de acabar com a fome?

Mesmo equívoco do item (2).

4.Como fomos hipócritas ao ponto de criticar o apartheid na África do Sul?

Trata-se de manipulação de fatos históricos, atividade em que os intelectuais de esquerda são especialistas. Tal como ocorre na África do Sul, os negros brasileiros ocupam um extrato social muito inferior ao dos brancos. Mas no Brasil, jamais houve racismo institucional. Pelo racismo institucional, pode-se culpar um conjunto de indivíduos - os autores das leis racistas. A situação de desfavorecimento dos negros brasileiros é produto de todo um processo histórico, que não teve meia-dúzia de atores, mas milhões. Não se pode botar a História na cadeia.

5.Como é possível que tenhamos médicos fazendo cirurgias que provocam admiração no mundo inteiro e não tenhamos acabado com doenças que pedreiros podem resolver?

Cristovam, sem dúvida, refere-se aos cirurgiões plásticos brasileiros, que têm renome mundial. Mas jamais houve aqui uma política oficial de estímulo ao ramo da cirurgia embelezadora em detrimento a outras especialidades "socialmente mais úteis", para usar um conceito bem petista. Que eu saiba, todos os bons cirurgiões plásticos brasileiros estudaram e se especializaram a suas expensas, e não à custa do erário público. Além disso, o cirurgião plástico é mais um artista que um médico, algo assim como um Michelangelo, e o talento artístico surge aleatoriamente no mundo inteiro, inclusive no Brasil.

6.Por que os brasileiros preferem gastar tanto dinheiro para cercarem-se em condomínios, em vez de investir na construção de um mundo pacífico ao seu redor?

E a quem eles confiariam seu dinheiro, encomendando a tarefa de construir um mundo mais pacífico? Aos honestíssimos políticos petistas ora no poder?

7.Por que deixamos que o Nordeste, onde o Brasil nasceu, fosse vítima do nosso desenvolvimento?

Mais uma vez o equívoco elementar que vê a riqueza como entidade física limitada e pré-existente, que não pode ser criada nem destruída, apenas transferida de lugar. De acordo com esta lógica, aquele que enriquece necessariamente empobrece aos demais. Assim, se o nordeste é pobre, a culpa necessariamente cabe às regiões mais ricas.

8.Por que, achando pouco abandoná-las, os brasileiros de vez em quando matam crianças dormindo nas ruas?

Mais um eco do famigerado Massacre da Candelária, que, transformado em lenda, divulgou ao mundo inteiro a versão de que os brasileiros mantém esquadrões da morte com a finalidade de exterminar meninos de rua. O problema é que até os brasileiros já estão acreditando nisso.

9.Por que, no lugar de aumentar a venda de produtos baratos,
distribuindo melhor a renda, preferimos concentrá-la para aumentar a venda dos produtos caros?

E desde quando a concentração de renda é uma atitude premeditada e deliberada, ainda mais por motivos fúteis, como aumentar a venda de artigos de luxo? E desde quando são ricos os países que se valem da produção em larga escala de artigos baratos usando mão-de-obra intensiva, pouco instruída e mal paga? Uma vez que raramente se inventa alguma coisa nova, restam duas opções: fazer tudo um pouquinho melhor e mais caro, ou fazer tudo um pouquinho pior e mais barato. Os países que preferiram a primeira escolha estão no Primeiro Mundo, os demais nos fazem companhia no Terceiro Mundo.

10.Como explicar que um país tão grande e populoso seja incapaz de inventar sua modernidade e construir o seu próprio destino?

Outro equívoco recorrente: a crença de que a riqueza de um país se mede pela extensão de seu território e o tamanho da sua população. Isto ocorria nos tempos pré-revolução industrial, quando as grandes potências e os impérios eram, efetivamente, agigantados. Mas hoje em dia, a riqueza de um país está condicionada à educação de sua população e às tecnologias dominadas por sua força de trabalho, o que lhes confere uma boa posição no mercado global. A maioria dos países ricos, como a Suíça e o Japão, não possuem recursos minerais em abundância, mas possuem o dinheiro para compra-los - que é o que realmente importa.

11.Como é que a elite dirigente brasileira consegue enganar por
tanto tempo, prometendo atender às necessidades dos pobres, enquanto concentra os recursos nacionais para atender às demandas dos ricos?

A elite brasileira engana os pobres porque necessita dos votos deles, e também porque eles gostam de ser enganados - afinal, é gostoso e é de graça. Mas as únicas demandas que podem ser atendidas são as demandas de quem pode pagar - não digo os ricos, mas o mercado como um todo, no qual se sobressaem os ricos. E já está suficientemente provado que todos aqueles que contrariam o mercado estão condenados à pobreza.

12.Como explicar que o quinto país em extensão tem tanta gente lutando e morrendo por um pequeno pedaço de terra?

A mensagem subliminar é que possuir a terra é condição sine qua non para subsistência - e esta terra estaria sendo negada porque os proprietários são malvados e egoístas. Entretanto, possuir terra para plantar só é condição indispensável à subsistência em sociedades agrícolas primitivas - coisa que o Brasil, com todo o seu atraso, não é mais. O Brasil tem 20% de sua população no campo. É muito. Os países desenvolvidos têm menos de 5% de sua população no campo, e são recordistas em produção agrícola. Quanto ao tamanho das propriedades, ele é, como tudo mais, determinado pelo mercado - produtos como a soja e a cana-de-açúcar, que tem baixo valor por hectare, só são lucrativos se produzidos em larga escala. E de que adianta ser o quinto país em extensão de território, se o uso agrícola de boa parte dele não é economicamente viável, seja por falta de fertilidade, seja por distância dos mercados?

13.Como foi possível inventar a urna eletrônica no país do
rouba-mas-faz, das falsas promessas, das mentiras do marketing eleitoral e da compra de votos?

Mais uma vez a crença de que tudo aquilo que é mau é conseqüência indireta de tudo aquilo que consegue ser bom. Assim, o rico é culpado pela miséria do pobre, o primeiro aluno da classe é culpado pelo burrice do último aluno da classe, e a urna eletrônica é culpada pela má qualidade de nossa classe política.

14.Por que os eleitores odeiam a corrupção, mas terminam votando naturalmente no corrupto mais próximo?

Esta é fácil de responder. O corrupto rouba o erário público, ou seja, o dinheiro dos impostos. A maioria dos eleitores não paga nenhum imposto direto, porque é pobre demais para isto (pobre no Brasil não precisa se dar ao trabalho de sonegar, pois é isento). Então, por que motivo o zé mané deveria se importar se o seu candidato roubou ou vai roubar um dinheiro que não saiu de seu bolso? O alto índice de corrupção é o destino natural das sociedades onde aqueles que instituem impostos são eleitos por aqueles que não pagam impostos. A análise completa deste fenômeno está no meu artigo A Pirâmide e o Sanduíche.

15.Como se explica o complexo de inferioridade de 160 milhões de pessoas, donas de 8,5 milhões de quilômetros quadrados de território?

Mais uma vez a crença, típica da era pré-industrial, de que riqueza se mede pela extensão do território e pela quantidade de recursos naturais.

16.Como um país com tantos recursos deixou-se endividar tanto?

E o que tem dívida a ver com recursos naturais? Nós nos endividamos porque não temos poupança interna. Qualquer empreendimento, por menor que seja, mesmo que pago a longo prazo, requer, para começar, a disponibilidade imediata de parte de seu orçamento, a qual deve ser sacada da poupança (quem não sabe disto, seguramente nunca tentou sequer ser síndico de seu prédio, o que talvez seja o caso de Cristovam). Não havendo poupança interna, resta-nos recorrer à poupança externa - ou seja, ao endividamento. E por que não temos poupança interna? Bem, trata-se mais de uma questão cultural.

17.Por que, no lugar de abraçar e dar as mãos aos pobres, nossos políticos preferem empurrá-los, formando uma sociedade com apartação?

Nunca houve apartheid institucional no Brasil. Os pobres vivem afastados dos ricos, não porque estes os empurrem, mas porque não podem arcar com as despesas de freqüentar os locais que estes freqüentam. Aliás, nunca vi um político empurrar um pobre. Vejo-os mas é beijando as criancinhas filhas de pobres, em véspera de eleição.

18. Como seria o Brasil se em 1889 tivéssemos distribuído terra para os ex-escravos e colocado seus filhos em boas escolas?

Bem, aí cada escravo receberia um pequeno lote da fazenda de seu ex-dono (as fazendas eram grandes, mas grande também era o número de escravos). Plantariam café, colheriam e o venderiam a preços de mercado, e arrecadariam poucos tostões, que não lhe garantiriam uma vida nem um pouco melhor, em termos materiais, do que a vida que tinham como escravos do dono da fazenda. É exatamente isto o que acontece atualmente nos assentamentos do MST, onde quem tenta produzir não arrecada mais que um salário mínimo. As fazendas do império eram grandes, não porque os fazendeiros fossem egoístas, mas porque, dado o baixo valor de mercado dos produtos agrícolas, elas só davam lucro se a produção ocorresse em escala muito grande. Após descobrirem isto, o mais provável seria que aqueles ex-escravos abandonassem o plantio do café já na segunda colheita, e passassem a plantar mandioca, milho e arroz para não morrer de fome. Só que, sem as divisas geradas pela exportação do café, o comércio morreria, e as populações urbanas teriam que ir para o campo viver como pequenos agricultores. Seríamos hoje um país rural e miserável.

Quanto a colocar os filhos dos ex-escravos em boas escolas, a idéia é boa, mas faltou Cristovam explicar onde estavam estas boas escolas, se em 1889 não as tínhamos sequer para os filhos dos livres. Será que ele propõe transformar barracões em escolas e colocar analfabetos a ensinar a outros analfabetos, como fez Brizola no RS?

19.Como é possível a um brasileiro ler jornal, ouvir rádio, ver televisão,sem chorar com culpa?

E por que Cristovam quer fazer os cidadãos de bem se sentirem culpados pela miséria alheia? Para que chorem, comovidos, e concordem em pagar impostos ainda mais altos dos que eles já pagam, para alimentar a roubalheira do PT?

 

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