A Representante do Brasil | ||
Li
outro dia uma notícia bem inusitada. O Ministério da Cultura
do governo Lula patrocinou a ida da funkeira Tatiana dos Santos à
Alemanha para representar o Brasil em um encontro de feministas.
Não posso afirmar que não tenho nada com esta história, pois tenho sim. Sou brasileiro, e tudo que diz respeito a dispêndio de dinheiro público também me diz respeito. Para quem não sabe, Tatiana dos Santos Lourenço é uma funkeira moradora da Rocinha, mais conhecida como Tati Quebra Barraco, autora de Composições como Fama de Putona, com versos do teor de "me chama de cachorra que eu faço au au". E lá se foi a funkeira para a Europa mostrar o que o Brasil tem de melhor. Ou pelo menos parece ser esta a intenção do Ministério da Cultura, ao fazê-la representante do Brasil. Resta sentirmo-nos bem representados... Podia ser mais uma entre tantas estultices já feitas com o dinheiro público, mas não é bem assim, o fenômeno tem raízes mais profundas. As mesmas que abordei em meu artigo O Rei Está Nu: a nossa antiga obsessão em mostrar ao mundo a favela como sendo o pólo gerador de nossa cultura popular. Deve ter agradado aos politicamente corretos, sem dúvida. Em especial aos europeus, que foram brindados com uma representante do Brasil que corresponde plenamente ao que eles esperam que o Brasil deve ser. Ela veio da favela? Então é uma brasileira genuína, não é? E depois, estamos no governo Lula, que tem o afã de resgatar os excluídos e dar espaço aos integrantes das classes marginalizadas do país. Mas o fato de alguém haver sido marginalizado significa que canta bem? Boa explicação tem o compositor Marcelo Yuka, da banda F.U.R.T.O. "Ela canta o que sente, o que vive. É fruto das dificuldades sociais" Ninguém duvida que a miséria dá origem a todo um leque de patologias sociais. Mas já pensei e pensei, e ainda não consegui entender como a pobreza é responsável por fazer alguém escrever obscenidades. Nunca ouvi minha faxineira dizer um palavrão. O pesquisador e crítico musical Ricardo Cravo Albin sai com esta: "Várias pérolas da nossa música foram criadas por poetas pobres oriundos dos morros, como Cartola e Nelson Cavaquinho". É verdade. Só que os antigos sambistas não escreviam obscenidades. Mas não adianta argumentar: tudo o que vem do morro é intrinsecamente bom, pois é produto dos pobres, que são intrinsecamente bons, e o que eventualmente fazem de mau é desculpável por causa das dificuldades sociais que enfrentam. São eles os puros e legítimos representantes do Brasil, e o mais é perseguição da elite malvada. A mesma que, ironicamente, vai a bailes funk. A socialite Narcisa Tamborideguy arrisca uma explicação: "As letras dela são engraçadas. No meio da noite, o pessoal tá chapado e bolado, quer mais é se divertir". Mas eu me pergunto se esta aceitação dos funks grosseiros pela classe média não tem a ver com este sentimento de que tudo o que vem do morro toca a alma nacional. Tati se defende. "Dercy Gonçalves fala um monte de palavrões e o pessoal adora ela. Quando a gente vem da favela tudo é criticado". É verdade. Mas que eu saiba, Dercy nunca teve uma viagem paga com verbas públicas para ir passear fora do país. Permanecem obscuros os critérios usados pelo MinC - o ministério encarregado de promover a cultura - para eleger a funkeira como a representante do Brasil em um congresso de feministas. Assim como ninguém entende o que as letras de suas músicas têm a ver com o feminismo. Nem ela própria, que declarou, divertida: "Feminista, eu?... Sei lá... Se eles dizem, então eu sou..." No seu afã de "dar espaço aos marginalizados", o governo Lula está gastando o dinheiro do povo para produzir no exterior uma imagem deste mesmo povo ligada ao deboche e à vulgaridade. Mas seria injusto culpar Lula por mais esta trapalhada. É antiga a nossa mania de fazer da favela produto de exportação. A favela é o que temos de melhor? Vamos repetir como Tati: "Sei lá... Se eles dizem, então é..."
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