O Rei está Nu  
 

Se nossos olhos estão cada vez mais acostumados a vislumbrar nudez por toda a parte - nas praias, nas bancas de jornais, nas novelas, nos programas de auditório, no carnaval - parece-me questão de tempo até finalmente darmos conta que também o rei está nu. Todos conhecem a fábula: o rei desfilava peladão pelas ruas, mas como ele era muito poderoso, ninguém tinha coragem de abrir o bico. Todos fingiam enxergar vistosos trajes de seda e brocados cobertos de ouro e pedras preciosas. Até que apareceu um menino, muito jovem ainda para discernir o que se deve ou não falar. Vê a cena grotesca e brada: MAS ELE ESTÁ NU!!! Isso teve o efeito de quebrar o encanto, e os demais criaram coragem a apontaram o óbvio: ele está nu! Ao rei só restou pagar o mico e ir para a casa.

Entre nós aqui neste país, a grande maioria ainda pode se dar ao luxo de repousar sob o véu da ignorância: afinal, nunca irão ao exterior, por absoluta falta de meios pecuniários, e tampouco dispõem de uma cultura geral que permita fazer idéia da imagem do brasileiro que foi construída lá fora. Mas há um grupo que não pode dar-se a este luxo, e tal como os malfadados súditos do rei da historieta, têm que fingir que estão vendo belas roupas onde só há nudez. Refiro-me aos brasileiros que vivem no exterior, ou que tem que se deslocar com freqüência a outros países por motivos pessoais ou profissionais. No forum um site mantido pela comunidade brasileira na Alemanha (Viver-na-Alemanha) encontrei um assunto assim:

"A verdade é que a imagem do Brasil no exterior está péssima.Quando pensam em Brasil,pensam na vulgaridade do Samba e do Axé,dos mercenários do futebol,em Favelas e Violência.O filme Cidade de Deus nos fez o favor de dar ao mundo a idéia de que aquele inferno é o Brasil de todos nós. (...) O que mais me choca,é que temos os talentos dos Teuto-brasileiros na moda internacional e no esporte:Ana Hickman,Gisele Buendchen,Mariana Weickert,Gustavo Kuerten,Robert Scheidt,Fernando Scherer.Mas não,ao invés de aproveitá-los,preferimos fazer papel de palhaço nos festivais de Cinema....Mas aos que insistem em dizer que o Brasil tá na Moda,vou lembrá-los do seguinte:o Seu Creisson também já esteve (...).Amaria que meu país fosse conhecido por Gramado,Joinville,Blumenau,Santa Cruz do Sul,Goiania,Jardins de SP,Alphaville e pela Barra,mas desafortunamente são muitos no Brasil que lucram muito com a destruição do nosso cartão de visitas"

Uma cópia do tópico inteiro pode ser encontrada aqui. As primeiras réplicas limitaram-se a colocar os usuais panos quentes. Mas como na fábula, sempre aparece um garoto intrometido para dizer que o rei está nu - neste caso, uma garota de 14 anos, que entrou de sola:

"É CORRETO ISSO MESMO, ESSE PAAIS SÓ MOSTRA O SEU LADO PESSIMO, SÓ GENTE PRETA SAMBANDO ESSE CARNAVAL QUE É NO MEU PONTO DE VISTA UMA PROMISCUIDADE, E ESSA VIOLENCIA... EM VEZ DE ELES MOSTRAREM O LADO BOM DO PAIS A REGIAO SUL, E OUTRAS COISAS BOAS, NAO SÓ MOSTRAM FAVELAS E UM PRETINHOS LÁ ASSALTANDO OS OUTROS AI ISSO É RIDICULO!!!! NAO PODE SÓ SABEM MOSTRAR AQUELAS MAKUMBEIRAS DE ARAKE LÁ KE FICAM SÓ POLUINDO OS MARES E FAZENDO PAKTO COM O DIABO... ISSO É UMA POKA VERGONHA!!!!!!!!!!
DAKI UNS DIAS VAO CHAMAR ISSO AKI DE AFRIKA POR QUE É O QUE PARECE... E AS PESSOAS BRANKAS QUE FAZXEM ESTE PAIS ANDAR PRA FRENTE!!!!!! AKI NO SUL NOS KEREMOS A INDEPENDENCIA.... QUEREMOS NOS DESMEMBRAR DO RESTO...."

Pânico na galera! Dali em diante a discussão descambou para o "racismo" da menina, que só não levou uma surra porque na internet tudo é virtual. Que audácia!

O assunto deste tópico já foi abordado por mim na crônica Nossa Imagem Culpada, e levantei as causas remotas deste fenômeno no ensaio Brasil, Paraíso do Sexo. Mas há uma pergunta que, por assim dizer, "não quer calar". Queixar-se da imagem supostamente má que enviamos ao exterior é ser racista? Se a resposta é "sim", então temos que concluir que aquilo que nós somos, fazemos e exibimos ao exterior emana de uma determinada raça. O nosso retrato oficial seria, portanto, a cara de nossa raça oficial. E por conseguinte, o retrato que recusamos enviar ao exterior - motivo da queixa da autora do tópico que mencionei - seria o retrato de uma raça espúria, não-brasileira, não-representativa de nossa gente e de nossos usos e costumes.

Mas se gostamos de alardear que somos um país multirracial, multicultural e tolerante, por que motivo somos tangidos a exibir uma "imagem oficial" tão racializada, a ponto de muitos europeus considerarem o Brasil como um país negro dominado por uma minoria branca? E por que esta imagem, além de racializada, tem que ser tão grosseira, vulgar e sobretudo irreal, sem nenhum lastro na cultura popular brasileira? O jornal NY Times, quando da última visita do Papa ao Brasil, mencionou que João Paulo II viria defender os valores da família em um país onde "a dança mais popular consiste de rebolar o quadril sobre a boca de uma garrafa". A famigerada Dança da Garrafa, de qual quase ninguém se lembra mais, é apontada não só como popular, mas como "a mais popular" - segundo o mais prestigioso jornal do planeta, ela seria ainda mais praticada que o samba. O que fizemos para merecer isso?

A resposta é menos simples do que parece. Poderíamos dizer que isso tudo "não passa de uma imagem estereotipada" e rapidamente ir cuidar de outra coisa. Mas cumpre fazer distinção entre Imagem Estereotipada e Imagem de Exportação. A primeira consiste de uma simplificação grosseira da realidade - é um retrato muito deturpado, sem dúvida, mas tirado a partir de um modelo real. A segunda é uma coisa completamente diferente. A Imagem de Exportação não tem compromissos com a realidade, ela destina-se meramente a suprir uma demanda. Há um determinado grupo que deseja consumir aquela imagem, e outros cuidam de oferece-la ao gosto do freguês. Desde que, é claro, haja interesse em fazê-lo. O "retrato oficial" do Brasil claramente inclui-se naquilo que defini como uma Imagem de Exportação. Ele não tem nada a ver com o que nós realmente somos, em termos históricos, étnicos e culturais. Mas é uma mentirinha que, por algum motivo, nós adoramos contar, e o resto do mundo adora acreditar. Não pretendo discutir aqui as origens históricas desta obsessão em torno do país "sensual", por já havê-lo feito no meu ensaio Brasil, Paraíso do Sexo. Limitar-me-ei a falar sobre os efeitos que ela nos causa, os quais se manifestam com freqüência cada vez maior neste mundo crescentemente globalizado.

Quem viaja com freqüência ao exterior sabe disto. O estrangeiro, muito embora nem saiba ao certo em que continente fica o Brasil ou que língua é falada aqui, tem uma noção bastante precisa sobre como nós somos ou devemos ser. Seguidamente confrontado com viajantes brasileiros que não só não se enquadram neste modelo, como demonstram ignora-lo totalmente, é natural que tenha a impressão de estar diante de uma espécie de embuste. Um brasileiro branco e de bom nível cultural transitando pela Europa costuma causar certa surpresa, nem sempre dissimulada. Se ele/ela não tem sua nacionalidade posta em dúvida logo de cara, é comum ouvir ressalvas tipo "Ah, mas você deve ser rico", já que dispõe de recursos para uma viagem. Ser considerado rico, a princípio, não é uma ofensa, mas em se tratando de um cidadão de um país conhecido por sua distribuição de renda notóriamente desigual, este qualificativo adquire uma certa carga pejorativa. Isto está implícito em nossa Imagem de Exportação: nossos filmes que concorrem ao Oscar invariavelmente mostram a miséria e a violência, ao mesmo tempo em que inocentam os marginais e apresentam-nos como vítimas inocentes de uma sociedade "injusta", construída a partir da opressão da elite rica sobre o povo. Se no passado, um viajante brasileiro na Europa era visto como um dono de escravos, hoje em dia é visto como um exterminador de florestas e matador de crianças de rua - não há ninguém que não esteja convencido de que o Massacre da Candelária foi executado por uma divisão da Polícia Militar especialmente constituída para exterminar crianças de rua, e que o passatempo dos garimpeiros na amazônia é atirar ao alto uma criança índia e espeta-la no facão. Um brasileiro "rico", portanto - epíteto que se aplica a todos os brasileiros que podem arcar com uma viagem internacional, ou mesmo aos que são donos de um Chevette 1985 em estado razoável - não apenas é culpado a priori da miséria dos meninos de rua, como não é considerado um modelo representativo da identidade étnica e cultural do povo brasileiro - retratado como sendo negro, índio e exótico, dado a comportamentos bizarros como praticar magia negra nas praias e passar o ano inteiro a dançar nu pelas ruas.

Estes argumentos podem parecer grotescos na forma como foram expostos, mas efetivamente representam a idéia que o europeu médio faz do povo brasileiro: não-branco, não-ocidental, não-civilizado, sem nenhuma herança cultural européia, que age mais movido pelo instinto do que pelo costume, oprimido por uma elite maléfica e fútil. A outra extremidade deste fenômeno pode ser vista aqui no Brasil mesmo, em um tour organizado para levar turistas a uma visita à Favela da Rocinha. É preciso reservar com antecedência, pois o passeio é muito concorrido. Aboletados em jipes e devidamente paramentados com seus trajes de safari, os turistas vão ver os "selvagens" em seu ambiente natural. Dizem que até atores foram contratados para representar os traficantes (quantos aos traficantes de verdade, é evidente que foram devidamente pagos para autorizar a farsa em seus domínios). Muitos brasileiros ficam chocados com o que consideram uma manifestação de sadismo e deboche da parte dos turistas estrangeiros. Mas eu entendo a real motivação destes. Eles não são sádicos. Eles simplesmente estão visitando aquilo que consideram o Brasil genuíno; afinal, se eles vieram para cá, nada mais natural que desejem ter contato com o "verdadeiro" povo brasileiro, pois turismo também é cultura. Quanto à urbe que rodeia as favelas, esta seria, quando muito, a construção de uma elite de colonizadores estrangeiros que encasquetou de ir aos trópicos oprimir e escravizar aos povos nativos. Que interesse haveriam de ter por esta gente pretensiosa? Não é por causa deles que os turistas aqui vieram.

A exaltação da favela como ambiente gerador de manifestações artísticas e culturais genuinamente brasileiras vem de longa data. É certo que a favela já deu coisas belas, como certos sambas que até hoje são tocados. Mas isto foi no passado. Hoje em dia a favela só produz horrores como tráfico de drogas e funk. Há alguma verdade na crença de que o habitante das favelas seria o brasileiro mais genuíno? Em termos históricos, étnicos, culturais e sócio-econômicos, nenhuma. É certo que a renda média do brasileiro não corresponde à da classe média que habita ao redor da favela, mas tampouco corresponde à do favelado. Mesmo que, em cidades como Rio e São Paulo, a população favelada se conte aos milhões de indivíduos, está muito longe de ser a maioria. O modelo "Minoria de Colonizadores X Maioria de Nativos" é um modelo pertinente ao colonialismo do século XIX, e pouco tem a ver com o Brasil, que é produto do colonialismo do século XVI, onde o colonizador se misturou ao nativo. Entre nós, a diferença entre a classe média e os pobres é enorme, mas é uma diferença puramente econômica, que diz respeito somente à renda, e não a nenhum outro fator. O Brasil não é a Índia, a Argélia, a Rodésia ou a África do Sul, ex-colônias européias que viveram conflitos étnicos entre o dominador e o dominado. Aqui, a classe média e os pobres não possuem identidades étnicas distintas, ambos são misturados. Tampouco as diferenças culturais vão além daquilo que é conseqüência de um grau de escolaridade diferente: a favela brasileira não é um enclave, um gueto onde esteja confinado um "outro povo"; não é como um acampamento palestino na Cisjordânia, ou um bantustão na África do Sul, ou um bairro árabe em Marselha; na verdade, não é sequer como um gueto negro em Nova Iorque. Nestes, um branco que se intrometa por ali é hostilizado; aqui, independente da cor da pele, quanquer estranho que entre em uma favela corre o risco de ser morto pelo traficante de plantão. A favela brasileira é, simplesmente, um reduto de pobres, e eventualmente de marginais.

Por que, então, continuamos a enviar ao exterior a imagem de uma mulata passista de escola de samba? Dir-se-ia que com isso queremos reparar uma injustiça. Os negros foram escravos, e seus descendentes vivem nas favelas; alivia um pouco a nossa culpa coloca-los em evidência e exaltar as "manifestações culturais" desta raça, não é verdade? É bom lembrar que o carnaval, embora festejado tanto pela elite como pelos pobres, era tido como coisa marginal até meados do século XX, quando desembarcou por aqui um Orson Welles com uma equipe de cineastas a serviço da Política da Boa Vizinhança. Foi o início do interesse estrangeiro pelo carnaval brasileiro - Carmen Miranda já estava nos EUA havia 4 anos, mas não servia; o que cantava não era samba e sim rumba, e além disso ela era branca. Foi Orson Welles quem subiu aos morros, entrou nos barracos, conversou com os moradores e filmou as primeiras imagens originais do nascedouro do samba - e a partir daí formou-se o amálgama que junta carnaval + samba + favela + negros, que dura até hoje (nas imagens de Welles, eventuais figurantes brancos eram pintados de preto). O documentário, denominado "É Tudo Verdade", acabou não sendo lançado comercialmente (o estúdio americano declarou que não daria um tostão por um bando de negros pulando) mas algumas de suas imagens foram garimpadas e exibidas anos depois. Foi este o marco inicial. A partir daí, o governo brasileiro, os artistas e os intelectuais subitamente "descobriram" que o carnaval era a mais cara manifestação de nosso ser, a chave imprescendível para se desvendar a alma do brasileiro, a fórmula da convivência pacífica entre raças e classes sociais, o resgate dos genuínos valores culturais do povo oprimido pelas elites dominantes, nossa própria razão de viver...

Mas após décadas de comercialização, é duvidoso que este carnaval dos dias de hoje, basicamente feito para turistas, ainda tenha alguma coisa a ver com a cultura popular brasileira. Como duvidoso é que alguma vez tenha de fato tido a importância que lhe quiseram atribuir. É irônico que tenha sido tão ostensivamente apresentado como sendo uma exaltação da negritude: primeiro de tudo, o carnaval nada tem de africano, é uma tradicionalíssima festa européia. E segundo, a figura da mulata a rebolar as nádegas nuas não transmite nada de elogioso para ela. Na prática, apenas chancela o papel de objeto sexual que lhe tem sido assinalado desde os tempos coloniais: a branca para o altar, a preta para o fogão, a mulata para a cama. Na visão do sinhozinho comedor, a mulata era o que havia de ideal: parecia-se com uma branca, mas era tão escrava quanto a preta. Foi esta mulata rebolando na avenida a isca que despertou para o Brasil o interesse do turista sexual, que é o sinhozinho comedor da era globalizada.

Que estrangeiros gostem de traseiros rebolantes de mulatas, isto é compreensível, pois na opinião dele trata-se da maneira como devem se comportar as mulheres da região tropical, vistas como repletas de energia sexual. Menos compreensível é que brasileiros façam de tudo para reforçar esta imagem sabidamente deletéria, ao invés de combate-la e procurar expor em seu lugar aquilo que temos de bom e louvável. Não me refiro a todos os brasileiros, é óbvio; falo daqueles que tem o poder de gerar imagens, idéias e teses, e assim influenciar a opinião externa a respeito do Brasil: funcionários do governo, como os da repartição oficial de turismo; e notadamente artistas, intelectuais, escritores, jornalistas. Toda essa gente vem há anos exaltando as "virtudes" brasileiras; a Embratur produz posteres de mulheres de fio dental nas praias, pseudo-sambistas desconhecidos por aqui levam à Europa trupes de "mulatas que não estão no mapa", a Globo esporta para Portugal novelas que parecem produções pornográficas, sociólogos exaltam a mestiçagem e o suposto "caráter generoso" daí advindo. Jorge Amado já chegou a ser acusado de promover o turismo sexual na Bahia, ao apresentar em seus romances a mulher baiana como lasciva e doida para arrumar um "coronel"... Onde foi que erramos?

Bem, trata-se de uma pergunta cuja resposta nunca é confortável de enunciar. Se exaltamos o que temos de ruim, e escondemos o que temos de bom, temos aí uma óbvia deformação de caráter. Não é uma coisa acidental, um mero equívoco. Por caminhos tortuosos, chegamos a este ponto. Que caminhos foram estes? Como isto começou? Reunindo os elementos que aqui expus, tirei algumas conclusões:

- Na raiz de tudo, está uma rejeição ao elemento europeu como formador de nossa identidade. Ele é identificado como sendo o dominador, o opressor; cumpre então exaltar os elementos não-europeus (negros e mestiços) e as contribuições que estes supostamente deram ao Brasil;

- Exaltamos a mestiçagem como sendo a fórmula que descobrimos para renegar nossas raízes européias e gerar uma nova raça, que supostamente é a raça brasileira. A mestiçagem é tão boa que chega a apagar a nódoa da escravidão, substituindo a exploração do trabalho alheio pelo amor carnal;

- Uma acentuada inclinação marxista de nossa intelectualidade, que também atinge o meio artístico, induz à vitimização dos elementos não-europeus, identificados com o povo oprimido, e à condenação do elemento europeu, identificado com a elite rica. O imigrante europeu, apesar de pobre, não é exaltado, porque sua ação se deu no sentido de prosperar por meio do trabalho árduo e fomentar o surgimento do capitalismo.

A mensagem que desejam transmitir é essa: nossa história é uma história de conquista e opressão, e nossa sociedade consiste de uma minoria européia dedicada a espoliar uma maioria negra e mestiça. Afirmar nossa "brasilidade", portanto, seria renegar tudo aquilo que temos de europeu, e afirmar o que temos de não-europeu. Mas a contradição fundamental desta premissa está no fato de que os promotores desta idéia são, em geral, letrados e artistas descendentes dos europeus que condenam, e não dos africanos e índios que defendem. Ao procurar exaltar o nosso lado "popular", tudo o que conseguem é projetar sobre estes elementos mestiços os preconceitos que nutrem em relação a eles. Assim, se querem apontar valor em um indivíduo mulato, o exemplo escolhido não é Machado de Assis, mas o sambista do morro e a macumbeira da praia. Isto vai precisamente de encontro ao que os estrangeiros via de regra desejam ouvir a respeito de um povo tropical como o brasileiro: exótico, instintivo e não cognitivo, sensual e não intelectual, emocional e não racional, expansivo e não reprimido, natural e não civilizado; enfim, alguém que está lá para trepar com ele, e não para discutir Goethe ou ouvir Chopin. É por este motivo que a pretensa exaltação que fazemos a nossos elementos "populares" é tão bem recebida na Europa: nós dizemos o que eles querem ouvir. A mestiçagem que tanto exaltamos é, para um estrangeiro típico, nada mais que um sinal da sexualidade desbragada que acreditam ser peculiar aos brasileiros.

Com certeza, a esta altura, já estarei ouvindo brados de protesto: o que você tem contra o samba e a macumba? Nada, respondo. Mas também não tenho nada a favor. Só acho que a letra de um samba não pode ser comparada a um texto de Machado de Assis. E é bom lembrar que na maior parte do mundo, as religiões animistas já foram substituídas por religiões monoteístas que pregam valiosos preceitos morais, excluem rituais mágicos para causar malefícios, e também não sujam as praias. Sei que dizer estas coisas não é "politicamente correto". Mas renegar nossa herança européia desperta aplausos, aqui e lá fora. É um desejo mútuo. No Brasil, isto é sentido sobretudo nos estados do sul, que costumam ser desconsiderados quando se trata de fazer um retrato do país. Um dos raros a chamar a atenção para o fato é o jornalista gaúcho Janer Cristaldo, que comentou na crônica A Difícil Travessia do Uruguai:

"O 'Sul maravilha' pouco diz a um europeu como parte integrante do Brasil. O exemplo mais sintomático desta exclusão do Sul no imaginário europeu, encontrei-o em uma declaração de um repórter do Le Monde, que acompanhava o Papa em sua primeira visita ao Brasil. Quando João Paulo se dirige a Porto Alegre, não interessa mais ao jornalista. 'Segundo meus colegas brasileiros, lá não é mais Brasil', disse. Ou seja, eram jornalistas brasileiros que reforçavam, no correspondente francês, o preconceito que este já nutria em relação ao país"

Se são os próprios brasileiros que expulsam o sul de seu conceito de brasilidade, por que haveriam de estranhar que a garota do forum venha a clamar pela separação política dos estados do sul do resto do país?

A outra extremidade deste divórcio entre o Brasil e sua herança européia encontra-se na própria Europa, onde certa vez eu observei um belo painel representando o mapa-mundi, feito por uma importante organização de ambientalistas. Nele, cada região do globo era representada pela foto de uma criancinha em trajes típicos da região. Sobre a América do Sul, uma indiazinha de longos cabelos. Muito justo. Só que, sobre a Austrália, não havia nenhum aborígine australiano de pele cor de chocolate. Havia uma criancinha loura de olhos azuis. Ao que parece, a substituição de uma população nativa por uma população de colonos é permitida para certas regiões do globo, mas não para outras... De modo geral, o europeu típico não aprecia que um viajante brasileiro proclame sua origem européia, por ser este viajante a priori identificado como membro de uma elite colonial invasora, escravizadora, exterminadora de índios e opressora do povo miserável. Mas com um mínimo de conhecimentos gerais e uma pitada de malícia, percebe-se que esta idéia pré-concebida deriva do conceito que eles nutrem a respeito da região tropical, vista como economicamente estéril, inerentemente incapaz de gerar riquezas, onde só se pode prosperar espoliando aos outros. Sob esta ótica, um brasileiro ou é um pobre ou é um canalha. Não pode ser as duas coisas, nem pode ser nenhuma delas. Assim, um europeu que
tenha, no passado, voluntariamente deliberado se transferir para o Brasil, só pode haver tomado esta decisão movido por algum propósito inconfessável: se ele é alemão, é um fugitivo nazista; se é italiano, é um mafioso, etc. O europeu contemporâneo rejeita seu passado de colonizador, e no fundo acha um absurdo que algum compatriota seu tenha desejado "corromper" os trópicos com a transplantação para ali de sua população e de sua cultura. Na visão atual, "norte" e "sul" são diferentes e têm papéis distintos: norte é lugar de trabalho e construção, sul é lugar de dissipação e prazeres. Não se trata de uma imposição arbitrária, mas de uma vocação natural supostamente derivada dos traços culturais peculiares às regiões temperada e tropical. Afinal, não são eles mesmos, os brasileiros, que não se cansam de afirmar isto?

Nestes dias de globalização, é notório o desastre que foi causado pela Imagem de Exportação que fizemos tanta questão de produzir. Para ver isso, nem é preciso ir ao exterior, basta entrar na internet. Esta caracterização grotesca irá cair sobre os brasileiros como uma maldição que durará um tempo indefinido, e cairá inclusive sobre brasileiros que nunca foram racistas, nunca sambaram na avenida, nem fazem qualquer idéia do conceito que o mundo tem de nós. Por hora, é esperar que a bomba está vindo. Poucos se animam a falar alguma coisa, como a moça que colocou seu protesto no forum. Quanto aos literatos, artistas e pretensos sociólogos que tão orgulhosamente ergueram o ícone do povo sensual e miscigenado, estes têm exibido a cara de tacho de cachorro que fez xixi na sala. Mais ou menos como deve ter ficado o rei da fábula, quando descobriram que estava nu.

 

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