O Racismo Vem Aí  
  Todos nós ouvimos falar um dia que o Brasil é um país onde não existe racismo, que aqui o antagonismo entre as raças foi satisfatoriamente resolvido, ou se preferirem, que vivemos sob uma "democracia racial". Esta afirmação era sempre feita com um quê de orgulho ufanista, e por este motivo assimilada cum granu salis. Mas na ausência de conflito racial visível, de leis discriminatórias, de grupos uniformizados desfilando pelas ruas - coisas que sabíamos acontecer em outras partes do mundo - terminamos por nos convencer da veracidade deste dito. É óbvio que no Brasil sempre existiu racismo, mas também é óbvio que este racismo não é igual àquele que existe nos EUA, por exemplo. Não é um racismo militante, mas passivo, feito de atitudes individuais e não de normas coletivas. Eu abordei a evolução histórica e as diferenças entre o contexto brasileiro e o norte-americano em meu ensaio O Racismo, Lá e Aqui.

Enfim, a palavra racismo tinha tudo para ser enviada ao nosso arquivo morto, e lá permanecer enquanto discutíssemos questões realmente relevantes. Mas não é isso o que venho observando. A maldita palavrinha saiu do armário, e está cada vez mais na ordem do dia. Primeiro, o racismo é tipificado como "crime hediondo", como se não houvesse outros crimes piores, e como se já não houvesse sido sancionada uma lei condenando-o, a antiga lei Afonso Arinos. Segundo, criam-se nas universidades públicas cotas exclusivas para alunos afro-descendentes, supostamente para compensar o racismo que impede o acesso dos negros aos bancos universitários. E terceiro, foi feita uma descoberta realmente sensacional: o Brasil é um país negro. Sim, é isso mesmo que você ouviu. É certo que não vem de hoje aquele conhecido sofisma que proclama que o Brasil é o segundo maior país negro do mundo, atrás apenas da Nigéria, como se os mulatos brasileiros pudessem se equiparar aos africanos natos. Mas não há muito esta era uma afirmação feita meramente para consumo externo, sempre repetida a cada visita de uma autoridade ou artista brasileiro a território africano. Agora tudo mudou: mesmo na privacidade de nosso lar, temos que assimilar o fato de que somos um país negro. Isto está repetido em dezenas de citações na internet, na boca de políticos e de sociólogos de todas as raças. São tantas as citações que nem me dou ao trabalho de enumera-las, qualquer dispositivo de busca obterá dezenas. Proliferam, também, dúzias de grupos denominados Movimento Negro, originalmente criados com o bom propósito de resgatar a história e a cultura afro-brasileira, mas que têm exibido cada vez mais um discurso racista muito similar àquele que eu já conhecia em inglês, da parte de grupos semelhantes formados nas universidades norte-americanas, que são, ao que tudo indica, os mentores de seus discípulos tupiniquins.

Eu sempre achei caricatos estes intelectuais-militantes negros norte-americanos, alguns deles tão fanáticos que chegam a se vestir com tradicionais e coloridas roupas africanas, que imaginam ser a vestimenta de seus ancestrais. Cultivam uma visão idealizada da África, a que chamam de mãe-áfrica, e buscam para si um sentimento identitório baseado na raça ao invés da nacionalidade, e embora não tenham a intenção de abdicar da cidadania norte-americana, procuram estabelecer laços com negros de outros continentes. É aí que nós entramos. Jamais pensei que tal mistificação pudesse se estabelecer no Brasil, terra onde a miscigenação atenuou as identidades raciais, mas tenho que render-me à evidência. Eles estão aí. Alguns já ousam, timidamente, denunciar a deturpação dos objetivos originais das entidades pró-afro, como este artigo denominado Movimento Negro Não Respeita Diferenças, que obtive em uma busca. Uma outra página cita: "Os recalques explodiram e, entre nós, temos assistido a essas repetidas cenas deprimentes da concentração de negros agressivos contra o branco, ou a agressão individual contra pacatos transeuntes que não são negros. Há pouco tempo, em plena praça do Patriarca, um negro agrediu a socos uma senhora sob o pretexto de que esta o olhava mais insistentemente. (...) Os comícios de todas as noites na praça do Patriarca e as concentrações também à noite de negros agressivos ou embriagados na rua Direita e na praça da Sé, os botequins do centro onde os negros se embriagam..."

Mas pior ainda é esta afirmação de um articulista canadense chamado Simeon Mitropolitski, que viaja muito pela América Latina. Em seu artigo Rio de Janeiro, Cidade de Deus, cujo original em inglês está aqui, eles escreve:

"Para milhões em todo o mundo, o Rio é um exemplo de harmonia entre raças, mas na realidade representa a versão moderna de segregação racial (...) Bandos armados de indivíduos brancos patrulham as ruas, matando crianças negras. As crianças mortas desta maneira, a cada ano, são contadas às centenas (...) O pogrom racista é parte do sistema brasileiro e qualquer turista estrangeiro deve estar ciente de que o dinheiro que coloca neste país, na verdade ajuda a perpetuar este sistema"

Não, o sr. Simeon não é negro, nem tampouco membro de alguma organização extremista. Seus pontos de vista nada têm de sectário, conforme eu pude confirmar lendo outros artigos dele. De onde foi que ele obteve esta visão do inferno que atribui à ex-cidade maravilhosa? A resposta aparece poucas linhas abaixo, onde ele cita um certo filme chamado Cidade de Deus como muito elucidativo de nossa realidade... Não é preciso explicar mais nada. Mas a naturalidade com que ele descreve os supostos pogroms, o tom de verossimilhança de suas palavras, tudo isto faz supor que idêntica opinião sobre nós é compartilhada por milhares de cidadãos muito pacatos e ponderados pelo mundo afora. Mesmo porque o famigerado filme teve bastante público. Não é a primeira vez que se dizem tolices sobre o fenômeno da violência urbana brasileira. É bem conhecida a propensão, típica de jornalistas, escritores e cineastas de formação marxista, de impingir uma conotação de "luta de classes" aos crimes em geral, notadamente às chacinas, e desde então muitos estrangeiros acreditam piamente que os chamados grupos de extermínio são mantidos pelo Estado com a finalidade de eliminar mendigos e crianças de rua. Mas nem mesmo estes jornalistas mentirosos jamais afirmaram que as chacinas aqui tinham motivação racista. Disto eles não foram capazes. Ao deparar-me com esta crença, ao que tudo indica, generalizada, não me resta outra alternativa senão admitir que o racismo - do negro contra o branco, bem entendido - cai sobre nós com a força de uma praga. Resta saber em que esquina eu ainda vou me deparar com ele. Será na Praça do Patriarca, onde a tal senhora foi agredida? Ou em uma viagem qualquer ao exterior, onde as pessoas me olharão como um indivíduo que se diverte atirando em negrinhos no trajeto de volta do trabalho para casa?

Enquanto o encontro não acontece, posso ao menos tentar remover o espantoso entulho de sofismas que deu origem esta nossa "realidade" de país negro e racista. Os sofismas foram se acumulando pouco a pouco, e como ninguém se deu ao trabalho de remove-los, eles formaram um monte de entulho, que já não permite avistar a base. Um sofisma, para quem não sabe, consiste de um raciocínio correto erigido sobre bases erradas, feito em geral maliciosamente, por indivíduos que estão cientes da falsidade de suas premissas.

O primeiro sofisma é a afirmação de que somos um país negro. Não somos um país negro coisa nenhuma, qualquer que seja o critério considerado para se considerar alguém negro. De acordo com o último censo do IBGE, apenas 5,9% de nossa população seria etnicamente africana, ou negro puro. Um percentual entre 1/3 e metade é vagamente definido como escuro, podendo ser mulato ou cafuzo, ou uma mistura de tudo. Então um único ancestral africano é suficiente para que uma pessoa seja considerada negra, mesmo que todos os seus outros ancestrais não o sejam? Pois nem assim o negro é maioria. Atingiria, no máximo, a metade da população. Para ser mesmo maioria, teriam que ser considerados negros também os caboclos e os morenos em geral, aí incluídos os ibéricos de ascendência moura. Mas não há nenhum meio prático e barato de se provar cientificamente que um indivíduo qualquer de pele escura é mesmo descendente de africanos. E há um pormenor que está sendo esquecido: este critério que define como negra qualquer pessoa que teve ao menos um ancestral africano, conhecido nos EUA como a "one drop rule" - isto é, uma única gota de sangue negro torna o indivíduo negro - foi a pedra angular sobre a qual se erigiu o racismo norte-americano. Do qual, como é sabido, os negros têm sido muito mais freqüentemente vítimas do que beneficiários. Já a miscigenação brasileira, que representa a negação da "one drop rule", criou categorias intermediárias como os mulatos, e desta forma dissolveu as identidades raciais polares, atenuando o sentimento de racismo na população. Não que a miscigenação possa ser considerada uma virtude do nosso caráter, como tem sido apresentada há décadas pela propaganda oficial e pelos ufanistas de plantão - ela não resulta de uma decisão consciente ou deliberada, mas de uma contingência da forma de povoamento aplicada ao Brasil. Enfim, trata-se de um fenômeno não planejado, mas cujas conseqüências foram benéficas, posto que livrou-nos de detestáveis conflitos étnicos que existem às pencas pelo mundo afora, principalmente em lugares pobres e superpovoados, como a Indonésia, a Índia e numerosos estados africanos.

O segundo sofisma é aquele que afirma ser o racismo o responsável pela reduzida presença de negros nas universidades. Trata-se da velha tática de apresentar fatos verídicos, e depois simular que existe uma relação causa-efeito entre eles. É verdade que existe racismo no Brasil, e é verdade que é pequeno o número de negros nas universidades. Mas a causa disto não é o racismo. Não tenho conhecimento de episódios de discriminação que tenham causado a recusa do ingresso de um negro em uma universidade brasileira. Aliás, pela forma como se dá este ingresso - o exame vestibular - isto seria mesmo impossível, pois a raça do candidato não é identificada, e aquele que corrige a prova escrita não tem como saber se ela foi feita por um branco ou um preto. Diferente do que acontecia nos EUA dos anos sessenta, época em que foi criada a política de cotas, ou "ação afirmativa". Inexistia lá o exame vestibular, e as universidades eram soberanas para selecionar seus alunos. O que significava que muitos negros perfeitamente aptos a ingressar em um curso superior, não entravam porque eram recusados sem apelação. Neste contexto, a política de cotas faz sentido - é um meio de obrigar as universidades a aceitar os candidatos negros. No contexto brasileiro, não faz sentido nenhum. Os negros não entram nas universidades porque não têm preparo, e não têm preparo porque são, em geral, pobres, e dependem de precárias escolas públicas. Mas coisa idêntica acontece com brancos pobres oriundos das mesmas escolas. E além do que, é sabido que a "ação afirmativa" deu maus resultados nos EUA, e considerada inconstitucional, foi abandonada.

O terceiro sofisma é aquele que afirma que o passado de opressão sobre os africanos obriga o governo a conceder-lhes compensações no presente, aí incluídas as cotas na universidade. Há um fundamento nisto. Não é por coincidência que a maioria dos negros seja pobre e, tendo que estudar em escolas públicas, acabe não obtendo vaga na universidade. Este quadro social está ligado ao passado de escravidão. Mas indenizações, no caso de alguém lesar outrem, são devidas por indivíduos e pagas a indivíduos. Ou então por um coletivo de indivíduos, como uma firma que tenha poluído o meio-ambiente e deva uma indenização. No máximo, pelo Estado, representando a massa dos cidadãos, caso alguém tenha sido lesado pelo Estado e este lhe deva uma indenização. Mas ao se tirar a vaga de um estudante branco e dá-la a um estudante negro, o que se está exigindo é que uma raça, branca, indenize a outra raça, negra. E uma raça, juridicamente falando, é uma teratologia, um monstro; uma raça não é uma definição coletiva válida segundo o Direito, não é uma pessoa jurídica, não é uma divisão administrativa, não há sequer uma definição científica do que é uma raça. Por conseguinte, uma raça não deve reparações a outra raça. Uma raça não pode ser culpada ou inocente, credora ou devedora de indenizações. Que culpa tem o estudante branco se o tataravô de seu colega negro foi escravo? Esta culpa, na realidade, não cabe nem ao dono do tataravô do estudante negro, pois uma vez que a escravidão era perfeitamente legal em sua época, ele não cometeu crime algum.

Mas contemplando este triste quadro de racismo crescendo por entre os desvãos do raciocínio, foi bastante gratificante para mim encontrar este depoimento de um diplomata africano que esteve recentemente no Brasil. O sujeito chama-se Botsalo Ntuane, e pelo que entendi, é de Botswana. Como provavelmente muitos outros africanos, ele engolira a potoca de que o Brasil é um país negro. Ficou surpreso com o que viu:

"Às 4 da tarde, embarcamos para São Paulo (...) atrás de nós, há apenas um preto no avião. Os restantes são brancos ou mestiços. Onde estão os negros? Se, como se diz, o Brasil tem a segunda maior população negra do mundo após a Nigéria, então deveríamos estar vendo alguns colegas no vôo. Isto é intrigante. (...) São Paulo, onde estão os negros? (...) Não há nenhuma evidência do Brasil multirracial dos prospectos de turismo e da equipe de futebol. O lugar é mais branco do que Londres. Enquanto espero pela bagagem, eu conto o número de pessoas de aparência similar à minha. Vejo só umas quatro. Onde estão todos os negros? Isto se torna assunto de animada discussão em nosso grupo (...) Os motoristas de taxi não são pretos. Eles são mestiços. (...) O porteiro do hotel não é preto. Ele é mestiço. As duas recepcionistas não são pretas. Elas são brancas. (...) Os trabalhadores não são pretos. Eles são mulatos ou brancos."

Ao contrário dos militantes dos Movimentos Negros, um genuíno africano sabe muito bem apontar quem é preto e quem não é...

 

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