O Século XVIII de Veríssimo  
  Catei outro dia em algum lugar esta citação de Luís Fernando Veríssimo. Ele se refere a um "eterno século 18" que supostamente ainda estaria vigente no Brasil:

"Eric Hobsbawm escreveu sobre o "pequeno século XX", que durou, para ele, do início da Primeira Grande Guerra a pouco depois do fim da Segunda (...) Concentrando-se no Brasil, Hobsbawm poderia adotar uma visão mais vagarosa da História e montar um argumento contrário, sobre um 'longo século XVIII' em que as coisas não mudam. Aqui, pelo que se ouve, o século dezoito atravessou o século dezenove e invadiu o século vinte com todos os seus conceitos e preconceitos intactos e, embora ninguém mais use perucas empoadas, o medo do povo continua igual ao que era antes da revolução republicana francesa (...) Então, chamavam os pobres de 'a classe perigosa', hoje usam eufemismos que significam a mesma coisa, e o mesmo terror. 'Só quem viveu antes da Revolução conhece as delícias da vida', disse um monarquista francês saudoso da ordem pré-republicana. O entusiasmo com que a direita brasileira aproveita o vexame petista para pregar e promover o fim da raça da esquerda deve-se à nostalgia, entre alguns, dessa delícia perdida: uma sociedade com os pobres resignados e uma aristocracia segura do seu direito divino e exclusivo ao poder. Um eterno século XVIII"

Não falta quem ache esta análise muito bem tirada. Quanto a mim, decidi reproduzi-la aqui, não porque eu a considere uma boa definição, mas por haver identificado nela um bom resumo de uma série de equívocos atrozes que têm perseguido os intelectuais brasileiros, verdadeiros ou pretensos.

Que há grande distância entre ricos e pobres no Brasil, isso ninguém precisa vir me dizer. Basta eu olhar em volta. Também havia grande distância entre as classes privilegiadas e o Terceiro Estado na França pré-revolucionária do século XVIII. Mas a analogia termina aí. Se prestarmos atenção, veremos que a suposta classe dominante tupiniquim não tem a mínima cara de Luís XVI com seus cachinhos e brocados, nem de Maria Antonieta mandando o povo ir comer brioches. Tem, isto sim, a cara de Severino Cavalcanti. Ou seja, a cara do povo, como bem disse o próprio Severino. E quem disse que o povo é encarado como "a classe perigosa" por estes indivíduos? Longe de representar qualquer perigo, o povo é o próprio caldo de cultura onde eles vicejam, e mantém com esta elite uma relação simbiótica, conforme eu já apontei em meu ensaio A Pirâmide e o Sanduíche. Ao contrário do que afirma Veríssimo, nosso quadro social em nada se assemelha a uma pirâmide polarizada entre ricos do topo e pobres na base, duas classes antagônicas que supostamente estariam em eterno combate. Ricos e pobres são, na verdade, duas côdeas de pão que envolvem um recheio - a classe média. Nossa sociedade não é uma pirâmide, mas um sanduíche.

Esta inusitada afinidade entre ricos e pobres foi, ironicamente, apontada por um estudioso de formação marxista, JJ Chiavenatto. Em seus estudos sobre o fenômeno do coronelismo, teve sua atenção despertada para um fato, no mínimo, curioso - o "coronel" e o sertanejo eram feitos da mesma substância: "(...) o coronel era um homem rude, pouco polido pela riqueza, semi-analfabeto, com valores que não o distinguia do mais pobre dos sertanejos. (...) só a riqueza o separava dos servos que são seus agregados. Cultural e psicologicamente, ele era igual a todos"

Onde está, então, a tipificação do povo como "classe perigosa", apontada por Veríssimo? O povo sempre esteve no poder, no Brasil, bem representado por dignos membros de sua estirpe, como o nosso conhecido Severino Cavalcanti. O problema é que o povão não corresponde à idealização que os Veríssimos fazem dele. Tampouco a "elite" corresponde a esta idealização. Muitos estudantes fãs do MST imaginam o latifundiário brasileiro como algo semelhante a um emproado fidalgo português dos tempos de antanho, descendente de uma linhagem que vem desde as capitanias hereditárias. A realidade é bem diferente. Quem quiser ter uma boa idéia de como se formou nosso patronato rural, pode dar uma conferida em Terras do Sem Fim, de Jorge Amado. Os grandes fazendeiros de cacau eram, em sua origem, meros posseiros, que conseguiram expandir seus domínios mediante astúcia, fraude e intimidação. Nenhuma semelhança com a nobreza francesa pré-revolucionária.

Levados pela crença de que todos os nossos males se originam de uma elite malvada, nosso destino é eleger camarilha após camarilha de políticos ladrões, que prometem confiscar a riqueza dos ricos gananciosos e distribui-la ao povão. A conseqüência é pagar impostos altíssimos e assistir ao espetáculo da corrupção. A verdadeira classe privilegiada, no Brasil, não são os ricos, mas os membros do governo. Na realidade, cada vez mais, só restam duas classes sociais no Brasil: os Pagadores de Impostos e os Consumidores de Impostos. Quem paga os impostos não se utiliza dos serviços oferecidos, pois tem que pagar escola particular, seguro saúde, previdência privada, segurança particular, etc. E quem se utiliza de escola pública, hospital do SUS e aposentadoria do INSS, estes são os pobres, que não pagam impostos porque estão isentos. Uma rápida olhada nos suntuosos templos construídos pelas igrejas evangélicas dá bem uma idéia de como este país poderia ser diferente, caso os pobres pagassem imposto.

Penso que, se há uma analogia possível entre nosso presente e um século passado, este não deveria ser o século 18, mas o século 19. Afinal, estamos realizando a grande utopia desta época: um operário no poder. Foi o século XIX que, no Brasil, entrou pelo século XX adentro, e chegou até o século XXI.

 

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