A Intifada Brasileira  
  Ano passado, quando eclodiu na França e espalhou-se por toda a Europa a revolta dos jovens da periferia, eu escrevi a respeito um artigo com o título A Intifada Européia, aproveitando para fazer troça dos intelectualóides que viam no ocorrido a eclosão da sonhada revolução socialista, e fiz também uma comparação entre a revolta nos guetos europeus e a violência nas favelas brasileiras. Pois não é que, antes mesmo do que eu esperava, os fatos vieram me dar razão? Agora temos uma genuína Intifada Brasileira...

Tudo começou com a anunciada transferência dos chefões do crime para presídios que não eram de seu agrado. No dia seguinte, o cenário era de caos: bandos armados pelas ruas, ônibus incendiados, vários prédios atacados, em particular aqueles que identificam o "sistema", como delegacias de polícia e bancos... um visitante estrangeiro que houvesse desembarcado no aeroporto na manhã de 13 de maio juraria que estava acontecendo uma revolução. Como no caso dos distúrbios na França no ano passado, não faltaram análises atribuindo à Luta de Classes o motim que acontecia nos presídios. Não sem motivo. Com certeza não é por acaso que, desde os anos setenta, as facções criminosas tenham adquirido nomes sugestivos como "Falange Vermelha", "Comando Vermelho", "Terceiro Comando" e "PCC", que se parecem com nomes de grupos revolucionários. É mais do que sabido que tudo começou com a convivência entre guerrilheiros e presos comuns no presídio da Ilha Grande, no início dos anos setenta. Não houve um único caso de bandido convertido em guerrilheiro, mas o lado prático dos ensinamentos foi bem assimilado, sem dúvida. Desde então as quadrilhas têm adquirido um nível de organização semelhante àquele observado nos antigos agrupamentos guerrilheiros, como as FARC's colombianas, que também operam no negócio da cocaína. Não faltam conexões no exterior e assistencialismo às populações sob seu domínio. O modo de ação destas quadrilhas imita típicos atos de insurgência, como atear fogo a ônibus, ou de desobediência civil, como ordenar o fechamento do comércio e de escolas. Não deixa de ser irônico. São os mesmos indivíduos que ensinaram técnicas de organização aos bandidos trinta anos atrás, que agora, tendo chegado ao poder, têm que lidar com os progressos de seus pupilos.

Ignoro que espécie de pacto une estes indivíduos. O que tenho certeza é que tudo não passa de uma gigantesca farsa. Não está havendo revolução ou intifada alguma, mas sim uma ação coordenada, cujos executores obedecem a uma hierarquia rígida. O comando encontra-se nos presídios, transformados em fortalezas - forçoso é reconhecer, os chefões do crime ali dispõem de segurança muito maior do que nas ruas, onde se tornam alvo de seus rivais. Ignoro também se houve algum acordo para por fim aos distúrbios. O fato é que, a julgar pelas declarações das autoridades, ainda não foi desta vez que a lição foi aprendida. E algumas destas declarações dão muito o que pensar. Vale analiza-las.

Apagado o fogo nos presídios, o foco das preocupações deslocou-se para as represálias promovidas pela polícia. No passado costumávamos ficar chocados diante da violência policial. É duro de admitir, mas esta verdade tem que ser dita: o espetáculo de uma polícia acovardada é ainda mais assustador que o espetáculo de uma polícia violenta. Sim, pois independente das convicções ideológicas de cada um, nesta hora é inevitável que todos pensem com seus botões: se nem a polícia eles respeitam, a quem respeitarão? A mim e a você, com certeza é que não. Mas neste malfadado final de semana, eu ouvi uma coisa que me deixou ainda mais assustado. Refiro-me às infelizes declarações do governador Claudio Lembo, em entrevista à Folha de São Paulo.

"Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa"

"A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais solidariedade, mais diálogo e reciprocidade de situações"

"A casa grande tinha tudo e a senzala não tinha nada. Então é um drama. É um país que quando os escravos foram libertados, quem recebeu indenização foi o senhor, e não os libertos, como aconteceu nos EUA"

Evidente que eu já ouvi estas patascoadas muitas vezes antes, mas confesso que jamais esperei um dia ouvi-las de alguém como o senhor Claudio Lembo. Isto me deixa aturdido, pois ainda mais assustador do que ouvir declarações arrogantes de um fascista, é ouvir um político burguês branco do PFL, o mais conservador de nossos partidos políticos, a repetir como catatônico as mesmas frases-feitas matraqueadas ad nauseaum pela garotada esquerdista. É assustador como estar diante de um zumbi. O senhor Claudio Lembo fala sem pensar, e sequer percebe as flagrantes contradições entre o conteúdo de sua fala e a sua história pessoal, sem mencionar sua pessoa física. Atribui a explosão do crime aos desmandos de uma tal "elite" que ninguém sabe apontar com exatidão o que seria, exceto que seus integrantes são sempre os outros. Nestes tempos politicamente corretos, esta "elite" recebeu o epíteto de "minoria branca", que nunca lhe era atribuído até poucos anos atrás. Lamentável, mas fazer o que? O discurso politicamente correto segue um padrão globalizado, e danem-se as idiossincrasias regionais, como esta peculiaridade brasileira de sermos um país de mestiços. Só existem brancos e pretos, e pronto. O senhor Claudio Lembo, nascido de boa família e que iniciou sua carreira política na ARENA, partido do governo militar, não se considera membro desta tal elite malvada. Ah sim, e ele também é preto, com certeza... É também sua opinião que a carga tributária nacional, que se aproxima de 40% do PIB, ainda não é suficiente, e que a burguesia deveria abrir sua bolsa ainda mais, para purgar seus pecados e entregar uma quantidade ainda maior de recursos nas mãos de nossos políticos que tanto primam pela parcimônia e honestidade na gestão do dinheiro público! Um burguês dificilmente é simpático, mas no Brasil atual eu os vejo quase como heróis. São eles que ainda se atrevem a empreender, criar indústrias, oferecer serviços e gerar empregos em meio à geral instabilidade, tributação extorsiva, burocracia irracional e fiscais achacadores, mas o senhor Claudio Lembo não vê nenhum mérito neles. Ainda mais curiosa foi a sua afirmação de que o governo brasileiro teria indenizado os ex-proprietários de escravos, enquanto o governo americano supostamente indenizou os ex-escravos. Desconheço estes fatos. Pelo que sei, nenhuma indenização foi concedida, nem aqui nem lá. Espero que o senhor Claudio Lembo ao menos saiba governar, pois como professor de História já vi que não dá.

Outra declaração que dá o que pensar partiu do presidente Lula, que atribuiu a explosão da criminalidade à falta de investimentos na educação básica, da parte dos últimos governadores do estado de São Paulo. No fundo, trata-se de um insulto aos pobres e ignorantes, tachados de bandidos potenciais. Ninguém precisa ir à escola para saber que não se deve matar ou roubar. A falta de instrução não torna ninguém um bandido - torna-o, isto sim, um ignorante, como é o caso de nosso presidente, que afirma orgulhar-se de jamais haver lido um livro na vida. De resto, os fatos desmentem de forma cabal esta afirmação. Sabe-se que Marcola, o líder do PCC, nada tem de analfabeto; ao contrário, é descrito como leitor compulsivo, com preferência pelas obras de Marx, Lenin e Sun Tzu. Sabe-se também que as favelas dominadas pelo crime situam-se no centro das grandes cidades, próximo a dezenas de escolas públicas. Nas regiões onde há muitos analfabetos, pontificam os ladrões de galinhas, não os traficantes e seqüestradores. O que se procura afirmar com este discurso é que o crime seria uma conseqüência da falta de opções - sem educação, sem emprego, sem assistência do Estado, um jovem necessariamente se torna bandido. A realidade, porém, é mais complexa. É claro que existe o caso do pai de família desempregado que, premido pelo desespero, resolve cometer um pequeno furto ou coisa parecida. Mas este desditoso indivíduo não vai roubar um banco, nem seqüestrar ninguém, pois estas são ações criminosas possíveis apenas para bandos bem estruturados e integrados por criminosos profissionais. Ele vai, no máximo, roubar a padaria ou o botequim da esquina, e quase sempre se dar mal na empreitada, pois não tem experiência no assunto. Não é este o perfil do criminoso típico. O criminoso profissional, de alta periculosidade, é um indivíduo de má índole que optou pelo crime após haver observado dezenas de casos de colegas que fizeram a mesma coisa e ficaram impunes. Em geral ele tem origem pobre, mas não miserável, e nível de instrução baixo, mas não é analfabeto. Ele abandonou a escola por opção, e também por opção ingressou no mundo do crime. O crime não é um produto da pobreza; se assim fosse, todo servente de pedreiro seria um ladrão, e nenhum deputado seria corrupto. O crime é um produto da impunidade. O jovem da favela se torna bandido pelo mesmo motivo por que o político se torna corrupto: porque alguém já fez aquilo antes, e não foi punido. Em última análise, o crime é um negócio; se compensa, inevitavelmente prospera.

Outra afirmação que tem sido muito veiculada estes dias diz respeito à conveniência de se tornar as penas mais severas. É sabido que, no Brasil, não só as penas são brandas, como existem infinitos recursos que beneficiam menores e réus primários, bem como permitem reduzir o tempo de permanência no cárcere em regime fechado. Embora haja um clamor geral da população contra esta debilidade que faz com que culpados de crimes graves, mesmo condenados, logo estejam de volta às ruas, da parte dos responsáveis pela feitura das leis o que se observa é uma reação de quase pânico só de se considerar esta possibilidade. O chavão mais repetido é que aquilo que efetivamente inibe o criminoso não é a duração da pena, mas a certeza de punição. Talvez seja até verdade. Mas uma falha não justifica outra. No Brasil, tem o efeito de incentivar o crime não só a grande probabilidade de escapar impune, como a certeza de que, mesmo se condenado, ficará pouco tempo na cadeia. Outro argumento muito repetido é que a prisão não recupera o criminoso; ao contrário, degrada-o, pois ele entra em contato ali com criminosos muito mais experientes e sai da prisão mais perigoso do que quando entrou. Este argumento é verídico, a prisão de fato não recupera o criminoso. Mas quem foi que disse que esta é a função da prisão? Esta seria a função, em teoria, das casas de correção para menores infratores. Um criminoso adulto não se regenera, a menos que decida fazê-lo por iniciativa própria. A função da cadeia não é recuperar o criminoso, mas sim resguardar a sociedade, dela isolando os elementos perigosos. Se o criminoso sai pior do que entrou, então o ideal é que demore para sair.

Outra falácia muito repetida é aquela que procura atirar a responsabilidade pelo crime na "burguesia", lembrando que os grandes atacadistas do mercado das drogas não são favelados, mas bem-disfarçados figurões da alta sociedade. Isto é verdade. Os traficantes das favelas são meros intermediários, as extremidades do negócio não se encontram nas favelas, na verdade não se encontram sequer no Brasil, pois é sabido que o tráfico de drogas é um negócio multinacional. Mas é absolutamente ingênuo se acreditar que, prendendo-se apenas os figurões atacadistas, todas as etapas do negócio serão paralisadas. Isto é o mesmo que acreditar que o camelô vai mudar de profissão se o contrabandista for preso. Atrás deste chavão, há o preconceito tipicamente marxista contra as elites, bem como uma abordagem simplória do negócio do crime, visto como constituído de uma cabeça maligna que comanda centenas de tentáculos, e que, portanto, bastaria destruir esta cabeça. Se esquece que todos os envolvidos no tráfico são profissionais, estejam na posição de empresários ou empregados. Preso o chefe, a quadrilha que o servia simplesmente vai oferecer seus serviços a outro chefe, ou então seus membros vão aproveitar a oportunidade e passar a empresários do ramo. É assim que funciona o crime organizado, desde a época dos mafiosos sicilianos. Além do que, o perigo imediato deve-se não aos figurões que se escondem em condomínios elegantes, mas aos favelados que não se preocupam em esconder, mas portam armas à vista de todos. São estes que travam tiroteios e incendeiam ônibus. São estes que devem ir para a cadeia em primeiro lugar.

Enfim, por trás de todo este discurso entremeado de chavões, há um esforço em se vitimar o infrator da lei, que é considerado como alguém que não age movido por sua consciência pessoal, mas premido por "forças sociais" aparentemente irresistíveis. Não se deve, então, castigar o criminoso, mas a sociedade, para que ela mude e pare de produzir criminosos. Esta postura seria até muito humanista, não fosse a simpatia e a piedade para com o criminoso concomitante com o mais absoluto desprezo pelas vítimas do crime. Ao invés de se encarcerar o criminoso, cumpre atacar as causas do crime? Mas as causas sociais e psicológicas do crime não podem ser sequer conhecidas com exatidão, muito menos eliminadas. Prometer o impossível é a melhor maneira de não se fazer nada. Em meio à impotência da polícia e da justiça, prosperam dezenas de ONG's que, imbuídas de babosas teorias sociais e rescaldos do antigo marxismo revolucionário, se propõem a atacar as causas remotas do crime, realizando benefícios que visam a "inclusão social" das populações carentes. Ora, estas populações residem em territórios dominados por facções criminosas, que controlam inclusive as associações de moradores, e é sabido que estes bandidos não permitem nenhuma benfeitoria em seus domínios que não seja de seu interesse. Realizar estas benfeitorias depende de negociações com os donos da favela, e as ONG's servem como pontes, tornando cada vez mais promíscuas as relações entre o poder público e o bandidos, que assim passam a ser legitimados como lideranças comunais. Pergunto-me a quem isto interessa. Enquanto não vem a resposta, resta-nos degustar o repugnante coquetel de marxismo diletante e bandidagem bem capitalista.

 

 

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