A Função Social da Religião  
  Nesses tempos petistas, o epíteto "função social" está em alta. A princípio, tudo o que existe deve ter uma. A propriedade deve ter uma "função social", ou não será legítima. A cultura também. E por que não a religião?

O tema me foi citado por um e-mail de Gustavo Incizzo, que discute a conveniência ou não de a Igreja dedicar-se às classes marginalizadas da sociedade visando combater o crime. Ele aponta, com ironia, o fato de muitos notórios criminosos já haverem declarado sua conversão à religião cristã, sem contudo ver nisso qualquer compromisso em abandonar sua carreira criminosa, ou os lucros daí advindos:

"Fernandinho Beira-Mar declarou-se convertido ao Evangelho, mas continua espalhando corrupção pela Terra. Na certa, a conversão de Beira-Mar servirá apenas para dar um toque religioso às suas atividades ilegais. Sua facção criminosa, o Comando Vermelho, deverá distribuir folhetos evangélicos junto com drogas. Seus advogados consultarão leis do Antigo Testamento para elaborar acordos espúrios. 'Arquivos Vivos' ouvirão algum Salmo de Davi antes do tiro na nuca. (...) Segundo a lenda, Jack, o estripador, repousava em uma catedral após destrinchar mulheres. Zeca Diabo, personagem de Dias Gomes, ia chorar na igreja e pedir perdão ao 'Santo Padinho Cícero' sempre depois de matar alguém"

E eu poderia acrescentar, o bando de Lampião foi dizimado na Grota de Anjico às 6 horas da manhã, enquanto fazia suas preces matinais, como era de sua rotina.

Mas vira e mexe eu volto a esse tema. Já tinha dedicado a ele o artigo O Papel da Religião. É difícil evita-lo, mesmo nestes tempos em que, teoricamente, a religião está em baixa (penso que é exatamente o contrário). Diz o cidadão comum, empertigado: "Há duas coisas que eu não discuto, religião e política". E uma voz em off replica: "É bom mesmo não discutir coisas sobre as quais você não sabe nada". Não é possível ignorar o papel da religião no mundo atual, seja este papel "social" ou não. Mas um fato é preciso admitir: a religião cristã já teve funções mais nobres no passado. Ela edificou os fundamentos éticos e morais da civilização ocidental sob a qual vivemos, impregnou e deu o seu retoque a diversas instituições hoje consolidadas. Ela moldou os costumes e exterminou diversas práticas do mundo pagão, hoje consideradas inconcebíveis em um mundo civilizado. Antes do Estado, foi a Igreja que fundou escolas, asilos e hospitais. Mas tudo isso é coisa do passado. Dispensada pelas mentes mais cultas, a religião tem se tornado, crescentemente, coisa de ignorantes (leia-se subdesenvolvidos) e consoante com seu novo papel, abandonou o afã de incutir valores éticos em seu rebanho, e assumiu a função mais prosaica de inventariante da miséria alheia. Tal como fazem os partidos de esquerda, os padres aderem à miséria como moscas que esvoaçam em torno da bosta, e por certo que farão tudo para preservar o caldo de cultura onde vicejam. Aí está incluída a idéia de que a Igreja deve dedicar-se aos marginais. Como bem observa Gustavo Incizzo, essa propensão vem de longe:

"Nos presídios, quase todos os detentos são religiosos praticantes. O inferno em que vivem os obriga a isso. As doutrinas religiosas disseminam-se com facilidade em ambientes caóticos. Contar o número de igrejas pode funcionar como um forte indicador social. Elas brotam mais rápido no meio da pobreza e desespero. Portanto, se houver muitas igrejas por perto, é sinal inequívoco de que a situação está preta"

"Igreja e Crime sempre tiveram um elo muito forte e até já trocaram de lado. Quando esteve do lado de lá, a Igreja mostrou que também sabe fazer terror e protagonizou uma das maiores matanças da história, não poupando o uso de guilhotinas e fogueiras para eliminar seus desafetos. Toda vez que a Igreja resolveu assumir papel de polícia, deixando de lado os assuntos espirituais, o resultado foi desastroso (...) Igreja e Crime precisam continuar cultivando sua profícua relação de complementaridade. Onde um condena, o outro absolve e vice-versa"

Concordo plenamente. O cristianismo prosperou no mundo romano entre os plebeus e os escravos, não entre os indivíduos instruídos, assim como prosperara antes na Judéia entre zé-povinho, e não entre os fariseus. Por este motivo, o cristianismo seria tachado séculos depois, por um filósofo anticlerical, de "uma moral de escravos". Mas no devido tempo soube também erigir uma "moral de senhores", e tanto os seus mártires sofreram torturas, que parecem haver aprendido direitinho a técnica... Aqui neste continente ao sul do equador, ficamos sob a égide do catolicismo, seu ramo mais apegado ao misticismo religioso tradicional. O protestantismo nunca fez muito sucesso por aqui porque sua mensagem não tinha muito a dizer a um povo que preferia relegar ao mistério da fé tudo aquilo que era incapaz de compreender. Ironicamente, se hoje o protestantismo floresce com a profusão de igrejas evangélicas e seus pastores charlatões, foi porque o próprio núcleo sacerdotal católico optou por abandonar o confortante mistério que envolvia a religiosidade tradicional, e que era tão compatível com a índole de nosso povo, para substitui-lo pela baboseira de uma "função social" da Igreja. Deu no que deu. Hoje, são os pastores e seus milagres remunerados que se encarregam de devolver ao povo ignorante o misticismo original que a hierarquia católica atirou no lixo. E foram mais além: ao invés de reeditar o catolicismo tradicional, reinventaram a própria religião pagã antiga, quando os ídolos era subornados com oferendas e concediam graças materiais, sem aquela chatura de exigir um comportamento ético da parte de seus seguidores.

Lúcido, Gustavo Incizzo conclui:

"É tolice pensar que as igrejas devem ajudar a controlar a criminalidade. Elas não têm nada a ver com isso. Não é função delas. (...) Quanto mais caos mais igrejas, quanto mais crime mais igrejas. Se eu pudesse escolher outra cidade para morar, iria para algum lugar que tivesse clima bom, boa infra-estrutura e, sobretudo, pouquíssimas igrejas. Seria garantia de mais paz e tranqüilidade. Talvez lá eu não precisasse colocar grades nas janelas."

 

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