Fantasias Senis  
 

As fantasias em geral são pueris, pois é durante os ditos "verdes anos" que se tem a conjunção de fatores adequada: falta de informação e excesso de imaginação. Somos indulgentes com os sonhos dos jovens, mas dos velhos se espera o realismo e se tolera o ceticismo. Em nosso país, contudo, houve um singular fenômeno, que até hoje tento sem muito sucesso explicar: a minha geração descobriu uma maneira de parar o tempo e permanecer eternamente jovem e sonhadora. Jovem de cabeça, é claro. Bem que podiam ter igualmente descoberto a fórmula de manter o corpo jovem, mas isso não foi possível, e o resultado é que hoje temos que assistir ao espetáculo de grisalhos anciãos repetindo os mesmos chavões revolucionários que faziam sucesso lá pelos anos sessenta. Já me referi a este fenômeno em O Enigma da Esquerda Nacional: no Brasil, a esquerda nunca conquistou o poder, mas apesar disso (ou talvez por isso mesmo) conquistou os corações e as mentes, e suas idéias conservam o frescor da juventude, como se nada houvesse acontecido no mundo nos últimos 30 anos. Continuamos a creditar nossos males à ação do imperialismo ianque, achamos que só o rico é corrupto, e que os bandidos dos morros são heróis incompreendidos que defendem suas comunidades contra a ação da polícia e a omissão das autoridades.

O decano dessa juventude grisalha é o arquiteto Oscar Niemeyer, já passado dos 95 anos e ainda em atividade. E ainda comunista. Em recente entrevista, voltou a afirmar solenemente sua fé nos mesmos pontos de vista que defendeu a vida inteira. "Ser comunista no mundo de hoje" - afirmou - "é ter preocupações humanitárias em meio à pura ganância". Quando a entrevistadora tentou mencionar a situação de Cuba, o idoso senhor inflamou-se: "Mas você não sabe que os cubanos são um povo alegre e entusiasmado com sua revolução!" A menina deve ter sido ensinada em criança de que se deve sempre respeitar os mais velhos, pois não fez mais objeções ao ancião. Ela agiu certo. Quando se chega no fim da vida, o passado torna-se mais real que o presente, e não há mal nenhum em se deixar um velhinho quase centenário no doce aconchego de suas ilusões.

Mas nada nos impede de especular, e ao menos tentar entender. O que leva uma pessoa nascida em tradicional e abastada família, e que com seu sucesso profissional ficou ainda mais rico, a defender os ideais dos deserdados da fortuna? Parece contraditório. E se repararmos bem, boa parte mesmo dos líderes de esquerda no Brasil é originada das classes abastadas e nunca passou o tipo de privação que leva alguém a tornar-se revolucionário.

Como ocorre em todas as aparentes contradições, o que há de fato é um lapso de entendimento. Não há problema algum em um rico tornar-se comunista, isto é inteiramente coerente e decorre do distanciamento relativo que o rico, desde a infância, está acostumado a colocar entre si próprio e a massa dos cidadãos. Acostumado a contemplar o resto da humanidade do alto de uma enorme distância econômica, ao rico parece natural que todos devam ser iguais, pois vistos à distância, todos efetivamente lhe parecem iguais. A uma pessoa como Niemeyer não é indignante saber que um médico em Cuba ganha o equivalente a 30 dólares por mês, pois para ele não há diferença entre 30, 300 ou 3 mil dólares. Sem nunca ter tido a experiência do dia-a-dia e das dificuldades do pobre e da classe média, ele pode imagina-los como bem desejar. Tampouco precisa temer a perda de sua fortuna pessoal, pois certamente que pessoas como Oscar Niemeyer e Darcy Ribeiro supunham que, em um hipotético governo comunista brasileiro, eles receberiam algum alto cargo público, de modo que seu padrão de vida pessoal não seria alterado, ao contrário do resto da população.

Como se pode ver, não é difícil entender por que motivo um rico se torna comunista. Difícil mesmo é entender porque um classe média se torna comunista. Esta questão eu confesso que não tenho como explicar. É a classe média, e não a "burguesia", a verdadeira vítima do comunismo, pois quem dispõe de capital não tem dificuldade em deposita-lo em um banco estrangeiro e ir aproveitar a vida em outro país. Mas o cidadão de classe média, que vive de seu trabalho, ou de pequenos negócios que não podem ser simplesmente transferidos de um país para outro, esse não tem escolha. O que pode fazer é fugir e ir recomeçar tudo do zero em outro lugar, como fez a classe média cubana. O indivíduo da classe média que se torna comunista está nada mais que confeccionando a corda que irá enforca-lo. E no entanto, estes se contam aos milhares por aqui. É verdade que muitos terminaram decepcionados. Mas o problema é que, no Brasil, o passado é presente. Outro dia mesmo os jornais noticiaram o caso daquele garoto que fugiu de casa para juntar-se às FARC da Colômbia, mas acabou voltando para casa. "Fiquei decepcionado: eu achei que eles eram revolucionários, mas eram de direita" - declarou. Certamente que as FARC não são "de direita"; o que o rapaz quis dizer é que elas se transformaram em um bando mafioso sem ideologia e abandonaram a luta revolucionária. Ele as define como direita porque, para ele, "direita" é tudo o que há de ruim, é o lado do mal oposto ao lado do bem.

Entendo que os jovens não se sintam entusiasmados com os ideais da classe média, mesmo quando sua família pertence a ela. A classe média, para eles, é a mesmice, a mediocridade, a pizza e o elefante de louça, a figura do pai mandando-os estudar e procurar emprego, e desta forma irritantemente lembrando-os de que a solução dos problemas não passa pela revolução, mas pelo trabalho e o estudo. O grande inimigo da esquerda não é a burguesia, mas a classe média. Pois a burguesia é necessária para concretizar sua utopia revolucionária, baseada na dicotomia burguês X proletário. Mas o que fazer se surge uma terceira classe, nem burguês nem proletário, e que vem provar que é possível sair da pobreza sem a necessidade de uma revolução, apenas lançando mão do estudo, do trabalho metódico e da poupança? A classe média é a morte da esquerda. Se o proletário é a pólvora, o burguês é o pavio. Mas a classe média é o extintor de incêndio.

Não tenho dúvida de que estes jovens de idéias grisalhas continuarão o que são pela vida toda. A experiência não adianta para desmentir suas premissas, pois um mecanismo psicológico simples lhes garante essa imunidade. Lula foi eleito? Ele não está fazendo o que esperavam que fizesse? Então isso quer dizer que Lula é um traidor, que vendeu-se ao outro lado e perverteu seus ideais. Urge abandona-lo e unir-se a uma dissidência de autênticos. Quando, daqui a uns quinze anos, esses "autênticos" chegarem ao poder, igualmente não irão corresponder aos sonhos daqueles que apostaram neles, e do mesmo modo serão declarados traidores. É sempre a mesma coisa: a teoria é perfeita, se ela não dá certo, é porque não está sendo cumprida à risca. Desta forma, os jovens de hoje pouco a pouco verão seus cabelos se tornarem grisalhos, mas sempre acreditando piamente em seus ideais, e ainda cercados de uma aura de mártires por haverem sido tantas vezes traídos pelos líderes que prometiam implementar seus projetos. Se eles querem antever seu futuro, basta dar uma olhada em Oscar Niemeyer. Triste é ver que o mundo avança enquanto ficamos andando em círculos como cachorro que tenta morder o próprio rabo. Deprimente é ver um homem inteligente como Cristovam Buarque declarar solenemente que o século XX viu surgir o computador e o flanelinha. Temos como dogma que a prosperidade invariavelmente se faz a custa de empobrecer os outros, que o sucesso de uns impõe o fracasso a todos os demais. O flanelinha surgiu no século XX? Certamente que sim. Não poderia ter surgido no século XIX, porque no século XIX não havia automóveis.

Presos a um discurso viciado, deixamos de entender nossos verdadeiros problemas, ao mesmo tempo que inventamos problemas falsos que não temos. Vocifera-se contra o "neoliberalismo" e credita-se a ele todos os nossos males, quando na verdade o nosso primitivo capitalismo não chegou nem ao estágio do velho liberalismo, quanto mais do neoliberalismo. Isso se existir mesmo um neoliberalismo, pois a meu ver não passa de um novo nome para a mesma coisa. A discussão quanto ao neoliberalismo ser bom ou ruim é uma discussão que se aplica a países desenvolvidos de capitalismo antigo, que estão fazendo uns experimentos ditos "neoliberais". Nós ainda estamos no jardim da infância e cercados de fantasias senis.

 

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