A Eclosão do Racismo  
  Em minha última crônica referi-me à assustadora emergência de um racismo negro entre nós, nestes dias de globalização, surgido a partir da deturpação dos propósitos de grupos de estudos criados nas universidades com a finalidade de resgatar a história e a cultura africana, mas que assumiram uma feição militante e agressiva, ao que parece por inspiração de grupos similares surgidos em universidades norte-americanas em décadas passadas. Já deplorei aqui, mais de uma vez, o triste hábito de nossa elite intelectual assimilar somente o que o Primeiro Mundo tem de ruim para oferecer - da Europa o marxismo, dos EUA o racismo - ao mesmo tempo em que esta mesma elite solenemente despreza todos os bons exemplos e as experiências bem-sucedidas legadas pelos países ricos. Mas não vou repetir de novo este queixume. Prefiro escrever um ensaio sobre o tema, já que ele é atual, tão atual que não tardaremos a nos defrontar com ele em uma esquina qualquer por aí. É verdade que sempre tive ojeriza pelo tema do racismo, que considero repugnante, mas aquilo que não se pode mudar, deve-se ao menos tentar entender.

Ao se escrever sobre o racismo, a primeira coisa que salta aos olhos é o montante de ignorância e percepções equivocadas acerca deste fenômeno, não obstante ser ele tão recorrente no mundo de hoje. Estes enganos ocorrem tanto entre os estudiosos quanto entre os cidadãos comuns. A maioria das pessoas crê que o racismo é fenômeno ancestral que sempre existiu na história humana, constituindo a causa de pretéritas guerras entre civilizações, inclusive da escravização dos negros africanos pelos brancos europeus. Aqui no Brasil, muitos afirmam que a imigração européia foi promovida por Dom Pedro II com o sinistro intuito de branquear a raça nacional. Outro erro comum é associar o racismo ao nazismo, atribuindo a Hitler a invenção das doutrinas de superioridade racial. Tudo isto é falso. Em termos de História Universal, o racismo é fenômeno muito recente. Tem no máximo uns cento e cinqüenta anos, e surgiu, não entre a patuléia ignorante, mas entre médicos e cientistas do fecundo século XIX, e estes cientistas não habitavam países sob o tacão de tiranias abjetas, mas nações esclarecidas e democráticas como a França e os EUA. A evolução do racismo científico é uma longa história e abstenho-me de cita-la aqui, mas para quem quiser saber mais recomendo a leitura do excelente A Falsa Medida do Homem, de Stephen Jay Gould. O certo é que, trezentos anos atrás, o racismo não existia. Hoje em dia muita gente debocha dos negros, afirmando que seus ancestrais na África "vendiam como escravos seus irmãos a troco de fumo e cachaça". Isto não procede. Os indivíduos a quem os africanos vendiam como escravos não eram seus irmãos, eram seus inimigos e prisioneiros de guerra. Para um africano do século XVII, não fazia o menor sentido a idéia de que tal indivíduo seria "seu irmão", unicamente porque ele tinha a pele mais ou menos da mesma cor que a dele. Os africanos eram unidos por laços tribais ou comunais, e não raciais. Eles não eram racistas: para um africano mercador de escravos, não havia a menor diferença entre vender o escravo para um europeu branco, para um árabe do litoral, ou para um africano do interior ainda mais negro do que ele. Inclusive eles trabalhavam também com matéria-prima branca: até o século XVIII ainda era comum que piratas mouros apresassem navios europeus, sobretudo nos mares nórdicos que eram menos freqüentados, e vendessem os prisioneiros como escravos no Império Otomano ou no norte da África. Alguns destes escravos seriam posteriormente revendidos no interior do continente, ou seja, até o século XVIII pelo menos havia negros donos de escravos brancos. Foi com o fim da pirataria moura e o aumento do tráfico de escravos para a América que materializou-se o conceito, vigente até os dias de hoje, de que o escravo era escravo por causa de sua raça, e que apenas os negros seriam escravos.

Se o racismo não surgiu entre os mercadores de escravos, tampouco é invenção de governantes tirânicos. Qualquer pessoa razoavelmente versada em nossa história sabe que a imigração européia foi promovida no século XIX por razões puramente econômicas, mais precisamente para substituir a mão-de-obra escrava, já que o tráfico havia sido proibido e havia novas fronteiras agrícolas a desbravar, sobretudo na lavoura cafeeira, que crescia sem parar. É verdade que a possibilidade de "branquear" a população foi saudada como auspiciosa por alguns indivíduos letrados, particularmente aqueles influenciados pelo racismo científico em voga na Europa. Mas este era um discurso de intelectuais, e não de fazendeiros. É sabido que muitos imigrantes foram tratados como escravos, inclusive chicoteados no tronco. O que permite concluir que os fazendeiros podiam ser brutais, mas com certeza não eram racistas: eles não consideravam os imigrantes brancos superiores aos negros, mas equivalentes a estes, devendo ser tratados de forma estritamente igual...

No século XX, o racismo foi fortemente relacionado ao nazismo. Mas se Hitler foi o culpado de haver posto em prática suas idéias relativas à superioridade racial, não foi ele que as inventou: estas idéias eram correntes entre o fim do século XIX e o início do século XX, e eram endossadas por qualquer indivíduo pretensamente culto da época. Elas aparecem nos escritos de numerosos médicos e antropólogos, inclusive brasileiros, e a prática da eugenia - melhorar a raça - era parte de políticas públicas de numerosos países avançados e democráticos, embora ausente em países mais atrasados. Na época, isto era ser moderno, e sabe-se hoje que a Suécia esterilizou retardados mentais até depois da segunda guerra.

Com tudo isto, fica irrespondida a pergunta: como, afinal, eclode o racismo? Quais seriam as origens, sociais e psicológicas, de sentimento tão forte, e potencialmente tão destrutivo, capaz de mobilizar um número tão grande de pessoas?

Para responder honestamente a esta pergunta, sob o método científico, é necessário pesquisar casos históricos recentes de grupos humanos que se tornaram marcadamente racistas, e buscar analogias e pontos em comum entre estes grupos. Os casos mais recentes de que tenho conhecimento são os alemães da primeira metade do século XX, e os ativistas negros da época atual.

O caso da Alemanha nazista já foi exaustivamente analisado, e foram escritas obras em quantidade capaz de encher uma biblioteca inteira na tentativa de explicar como um povo tão culto e evoluído foi capaz de regredir a tal barbárie. Certamente não serei eu quem vai dar uma resposta final e definitiva, mas tenho algumas pistas. Os povos germânicos se integraram um pouco tardiamente àquilo que hoje chamamos o Ocidente. Refiro-me não ao bloco econômico e ideológico, tampouco à localização geográfica, mas sim à civilização, o universo cultural feito de conhecimentos, crenças, valores e instituições que tiveram origem na antiguidade greco-romana e que receberam forma definitiva sob os auspícios da religião cristã, adotada por todos os membros do Ocidente. Pode-se fazer uma analogia: se neste alicerce, a pedra foi a herança greco-romana, o cimento sem dúvida foi a religião cristã, sobretudo devido à ação da Igreja Católica. Explica-se: a Europa que se seguiu à queda do Império Romano era um universo profundamente atomizado, multi-étnico, dividido em incontáveis unidades políticas e territoriais. Neste universo, a Igreja Católica constituía a única autoridade, por assim dizer, globalizada: por toda a parte, ela era organizada da mesma maneira, tinha os mesmos poderes, e exibia o mesmo discurso. Havendo se tornado o repositório da ciência, da literatura e da filosofia herdadas dos tempos pré-cristãos - ou seja, da tradição greco-romana - a Igreja Católica também disseminava a tradição judaica, inerente à crença religiosa. Desta forma, amalgamou aquilo que hoje chamamos civilização ocidental e cristã, erigida com a pedra greco-romana e unida pelo cimento judaico-cristão.

Os povos germânicos, entretanto, nunca foram conquistados e unificados de todo na época do Império Romano - os que viviam próximos às fronteiras acabariam sendo aculturados, e os que viviam distantes permaneceriam arredios. Sua conversão à religião cristã viria a acontecer em época relativamente tardia. Assim sendo, não é demais suspeitar de um atavismo alemão por seu passado pré-ocidental - isto é, uma nostalgia do tempo em que eles constituíam uma civilização à parte, antes que fossem amoldados pelas crenças judaico-cristãs. É sabido que em épocas de crise, os sentimentos atávicos afloram - e foi precisamente o que aconteceu após a Primeira Guerra Mundial. A 17 de agosto de 1918 foi fundada a Sociedade Thule, nome de uma mítica terra escandinava que teria sido o berço dos povos nórdicos. Consta no Wikipédia:

"(...) O seu nome original era 'Studiengruppe für germanisches Altertum' (Grupo de estudo para antiguidade germânica), mas em breve ela começou a disseminar propaganda anti-republicana e Anti-Semítica.

Foi um grupo precursor importante para a fundação do Deutsche Arbeiter-Partei" (Partido alemão dos trabalhadores) que mais tarde se tornaria o NSDAP (Partido Nazi). Teve membros dos escalões de topo do partido, incluindo Rudolf Hess , Alfred Rosenberg, inclusive Adolf Hitler que foi iniciado na sociedade Thule por Rudolf Hess, enquanto estavam presos no forte de Landsberg."

Os adeptos desta sociedade esotérica acreditavam que os antigos teutões, originários de Thule, eram uma raça superior, de origem divina, à qual cabia dominar o mundo. Os dramas vividos pelos alemães no presente deviam-se, segundo eles, ao abastardamento de suas origens, iniciado quando os germânicos substituíram suas tradições ancestrais pelos valores judaico-cristãos. Ignora-se até que ponto o próprio Hitler esteve envolvido com estes esotéricos, mas a maneira como agia era de todo coerente com esta linha de pensamento: Hitler propunha-se a restabelecer a passada glória germânica mediante um processo de purificação que eliminaria todos os elementos não-germânicos que ao longo do tempo haviam se imiscuído e supostamente causado a sua decadência. Deixou claro, desde a primeira página do Mein Kampf, que o sentimento identitário germânico derivava da raça, e não de outro fator qualquer. A guerra que promoveu visava criar um espaço, denominado o Reich, que deveria reunir todos os povos considerados de raça alemã, e ao mesmo tempo eliminar deste espaço os elementos intrusos, notadamente os judeus. Hitler não atacou abertamente a religião cristã, mas veladamente procurou extirpa-la e reeditar os costumes dos antigos teutões. Conta Philippe Aziz, em Historie pour tous:

"O casamento religioso é substituído pelas núpcias ancestrais. O chefe da unidade SS preside e, depois que os esposos trocam seus anéis, ele lhes oferece como presente pão e sal. Tudo é feito para que o casal se afaste da Igreja e seja orientado para um novo culto, uma espécie de neopaganismo germânico"

Há alguma analogia entre a ideologia destes nazistas místicos e aquela dos atuais militantes negros?

Sem dúvida que seria delírio de minha parte afirmar que os negros planejam iniciar uma guerra com a finalidade de criar um Reich para abrigar todos os povos negros do planeta, e mandar os brancos para a câmara de gás. Mas uma analogia existe, sim. A começar pelo fato de que este ativismo todo começou nas universidades, em grupos de estudo criados com a finalidade de resgatar a história africana - exatamente a forma como surgiu a Sociedade Thule! Tal como os esotéricos membros desta sociedade, os ativistas negros cultivam uma visão idealizada da terra de seus ancestrais, e têm um sentimento identitário baseado na raça, e não na nacionalidade. Negros norte-americanos e brasileiros consideram-se "irmãos" dos negros africanos, que em sua visão constituiriam um único povo, unido por sua raça, e todos os problemas e dissabores deste povo seriam conseqüência da ação deletéria de brancos europeus, que os escravizaram, dispersaram e supostamente arruinaram a África pelo colonialismo. Temos então um quadro preciso da síndrome que dá origem ao racismo:

(1) Um sentimento identitário baseado em um quesito físico insofismável, como a raça;

(2) A sensação de haver sido espoliado por um elemento estrangeiro, de outra raça;

(3) A propensão de renegar sua cultura, que passa a ser considerada espúria, imposta no passado por um dominador estrangeiro;

(4) A atração atávica pela cultura ancestral, que deve ser resgatada;

(5) A visão idílica de um tempo glorioso em que todos os membros da raça habitavam uma mítica terra ancestral;

(6) E por fim, a ilusão de recriar no presente este passado glorioso.

O racismo é, acima de tudo, uma fantasia de intelectuais, erguida sobre frustrações e recalques, e amparada pela ignorância da História. Tanto os membros da Sociedade Thule quanto os militantes negros dos dias atuais ficariam desapontados se pudessem voltar ao passado e ver seus ancestrais como realmente eram: ao invés de uma nação orgulhosamente unificada pela raça, eles veriam uma mixórdia de clãs e tribos em permanente rixa, praticando costumes grotescos e inaceitáveis por qualquer padrão civilizado do presente.

A megalomania nazista teve conseqüências conhecidas. Não creio que os militantes negros cheguem a tanto, mas são bem capazes de conseguir a façanha de instituir o racismo no Brasil.

 

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