O Tal do Desemprego  
 

O desemprego anda alto esses dias. Eu sei disso porque eu próprio fiquei desempregado este ano, aliás, pela primeira vez na vida. Mas não quero me lamuriar: ao menos, eu procurei emprego sentado defronte a um computador conectado à internet, no conforto de minha casa, enquanto uma fila imensa de candidatos a gari esperava debaixo do sol e dos cassetetes da polícia. Mas como já disse, não pretendo me lamuriar, e por isso não vou tecer críticas à política econômica do atual governo, e ao invés disso procurarei fazer uma análise mais abrangente deste recorrente fenômeno. Já vivi um número suficiente de anos para pegar uma época em que a palavra desemprego parecia restrita aos livros de História do ginásio - até o início dos anos 80, quando a nossa taxa de desemprego não superava os 2%, tempos que não voltam mais. Mas depois essa palavrinha enjoada nunca mais nos abandonou, embora eu, como é natural, supusesse até recentemente que isso fosse uma coisa que só acontece com os outros. Mas aquilo que não podemos mudar, devemos ao menos tentar entender.

De fato, houve um tempo em que o desemprego não existia, mesmo porque não existia o emprego. Este fenômeno está relacionado ao surgimento de grandes massas de assalariados, decorrente da Revolução Industrial. A instabilidade inerente da época gerava períodos de superprodução, quando os operários cumpriam jornadas estafantes de até 18 horas diárias, seguidos de períodos de baixa, quando não havia trabalho e as ruas se enchiam de desocupados. As guerras, freqüentes, abalavam a economia, e quando terminavam, ainda transformavam os ex-combatentes em legiões de desempregados. Com a maior estabilidade política obtida após as guerras mundiais, e o disciplinamento das relações trabalhistas pelas regulamentações do Estado, estas bruscas oscilações do nível de emprego tenderam a diminuir, e iniciou-se uma era mundial de pleno emprego, abalada pela crise dos anos 80, da qual o Brasil e outros países da América do Sul nunca conseguiram sair completamente. Hoje em dia o desemprego é, oficialmente, alto em toda a Europa, e cresce até mesmo no Japão, onde antigamente todos faziam hora extra. Lamentável? Mas há algo de estranho nisso tudo. Com taxas tão altas de desemprego, onde estão as badernas, as manifestações de rua? Onde estão as filas de desocupados atrás da sopa distribuída gratuitamente? E acima de tudo, como é possível que terras com desemprego tão alto continuem atraindo imigrantes?

Claramente, o desemprego do início do século XXI não é igual ao desemprego do início do século XX, ao menos para as nações desenvolvidas. Podemos, grosso modo, distinguir dois tipos de desemprego: aquele que é causado por uma diminuição da produção, e aquele que é causado, paradoxalmente, por um aumento na produção.

O primeiro corresponde a um desequilíbrio entre a oferta e a procura. Produziu-se demais, ou produziu-se aquilo que não tem lugar no mercado, e a solução é parar as máquinas e esperar que entrem em cena os mecanismos de auto-regulamentação do livre mercado. O exemplo mais notório foi o da grande crise de 1929, a qual, como se sabe, foi precedida de uma febre de produção. Para se ter uma idéia, apenas em 1954 os EUA produziram uma quantidade de automóveis igual à que foi produzida em 1929. Este tipo de crise gera uma retração na economia - menos produção, menos emprego, menos renda, menos consumo, deflação - e o empobrecimento momentâneo da sociedade. Mas é uma situação transitória. A capacidade produtiva inerente - as máquinas, a tecnologia, a mão-de-obra - continua intacta, aguardando o sinal do mercado para entrar novamente em ação. Mas se esta situação se prolonga por muito tempo, os danos podem ser consideráveis, e não há como fugir disso, pois trata-se de um processo de empobrecimento que, mesmo transitório, destrói patrimônios e produz mendigos, suicidas e alcoólatras.

O segundo tipo de desemprego é aquele que é causado pela automação. Uma nova máquina, um robô ou uma gestão renovada tornam desnecessários determinados postos de trabalho. Este segundo tipo, tal como o primeiro, existe desde os primórdios da Revolução Industrial, mas têm causas e efeitos bem diferentes. Se ao primeiro corresponde uma diminuição da produção, ao segundo corresponde um ganho - pois afinal, esta é a finalidade da automação; do contrário, não compensaria substituir homens por máquinas. Mais produção significa mais renda, mais demanda, mais capital para investir, e o resultado inevitável, a médio prazo, é a recolocação dos postos de trabalho que foram removidos no primeiro momento, agora com novas funções inerentes à nova tecnologia empregada. O resultado a longo prazo é a mudança completa da forma como se trabalha - desaparecem ocupações de tarefas braçais e repetitivas, e surgem ocupações que demandam maior esforço intelectual e criativo. A muito longo prazo, desaparece totalmente a oferta de trabalhadores para cargos pouco qualificados, e estes tem que ser buscados no estrangeiro. Evidentemente, esta transição toda não se faz sem percalços. Podem surgir bolsões de trabalhadores não facilmente recicláveis, para os quais deixou de existir a ocupação que sabiam desempenhar, e eles não querem fazer outra coisa. Mas como a automação e a gestão eficiente provocam o enriquecimento da sociedade, isto significa que há recursos para sustentar os desempregados - e isto é feito nos países de capitalismo antigo, onde aos poucos consolidou-se uma política previdenciária muito ampla, que acha melhor pagar para que o desempregado fique ocioso em casa do que conservar estruturas ineficientes e ultrapassadas só para mantê-lo trabalhando. Vi isto ao vivo e a cores em minha atividade profissional. A mesma máquina (a impressora automática de bilhetes de loteria instantânea) foi instalada no Brasil, na Coréia do Sul e na Suíça. Acompanhei todas estas instalações, e nunca me esqueci daquele dia em Zurique, em que cheguei à fábrica e tomei um susto ao ver a máquina rodando, aparentemente sozinha, sem nenhum operário monitorando. Observando melhor, distingui não mais que dois ou três circulando por perto. E por incrível que pareça, a coisa toda funcionava muito melhor sem aquele formigueiro de operários que eu me acostumara a ver quando fiz a mesma instalação no Brasil e na Coréia. Lá havia apenas uns poucos trabalhadores bem qualificados, obviamente ganhando muito mais que seus pares terceiro-mundistas. Lembrei-me de imediato daquela anedota que dizia que, no futuro, nas fábricas, só haveria um homem e um cachorro. A função do homem seria alimentar o cachorro, e a função do cachorro seria não deixar o homem chegar perto das máquinas.

Mas lá na Suíça havia também o problema do desemprego, e eventualmente se fazia uma ou outra demissão. Lembro-me de um operário particularmente pouco cooperativo, que a direção da fábrica, após ponderar bastante, resolveu dispensar. Sim, mas primeiro tinham que arrumar um substituto. Colocou-se um anúncio no jornal. Após uma semana, não apareceu ninguém. Isso mesmo, nem um único candidato. O Fulano continuou em seu posto. Os altos índices (oficiais) de desemprego exibido pelos países do Velho Mundo não são um sinal de decadência ou empobrecimento, mas sim um sinal de enriquecimento. Como bem sabem os imigrantes, que arrumam uma colocação na economia informal logo na primeira semana em que chegam. É certo que, na economia formal, um trabalhador legalizado chega a ficar meses ou até anos desempregado, mas que fazer? Ele prefere o conforto de sua casa a lavar latrinas. O lado mal disso tudo é que vai sendo aos poucos esquecido o valor do trabalho árduo, o qual, apregoado pelos protestantes, foi a verdadeira alavanca do progresso dessa parte do mundo (os países que apostaram no ouro do Novo Mundo terminaram pobres, como se sabe). Lembro-me dos comentários da educadora Ina von Binzer, que andou por essas paragens ao final do século XIX, e estranhou o ócio das crianças bem-nascidas, contrastando fortemente com o trabalho braçal e a ausência de educação formal dos ex-escravos. Intuiu que dessa combinação de fatores não sairia boa coisa, como de fato não saiu. Agora, não são poucos os que prevêem que o Homem Branco terá o seu declínio em uma juventude ociosa e arrogante, acostumada a trabalhar só 3 dias por semana e a ver todos os estrangeiros como seus serviçais... Bastante apocalíptico, mas como eu já me referi em O Sucesso das Nações, o vencedor de hoje pode ser o perdedor de amanhã.

Enquanto a discussão não se esgota, consigo um novo emprego. Vou trabalhar na automação de catracas de ônibus, que, como se sabe, há muito já tornou obsoleta a figura do cobrador em países mais desenvolvidos. Mas, para a minha surpresa, aqui o cobrador não vai deixar seu posto quando a máquina leitora de cartões for instalada. Vai permanecer em sua cadeira, olhando o passageiro passar o cartão, e eventualmente vendendo um bilhete. Por que? É a lei, o sindicato não permite. Ônibus tem que ter motorista e cobrador. Já não bastasse a exótica figura do ascensorista de elevadores automáticos, teremos agora o cobrador que não cobra nada...

 

 

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