O Brasileiro Cordial  
  Todo o mundo conhece, ou pelo menos já ouviu falar daquela frase de Sergio Buarque de Hollanda: o brasileiro é um povo cordial. O que pouca gente sabe é que o dito historiador se arrependeu muito de haver lançado esta tese, ao perceber que os comentaristas dela tiravam interpretações que passavam bem ao largo daquilo que ele tencionava dizer. Tarde demais: hoje em dia, para milhares de leigos em História e Sociologia, Sérgio Buarque é, além do pai do Chico, aquele cara que disse que nós somos cordiais. E nada mais. Uns rechaçam furiosamente esta idéia, que consideram mais uma invenção das "classes dominantes" para justificar seus desmando, e apontam para desmenti-la numerosos episódios sanguinolentos de nossa História; outros abraçam a tese, e ainda arriscam que teria sido a mistura das raças a origem deste traço de doçura tão caracteristicamente nosso... Sérgio passou o resto da vida tentando explicar que a origem etimológica do termo "cordial" é "relativo ao coração", e foi neste contexto que ele escreveu a frase famosa. O brasileiro seria, então, uma criatura que age mais movida pelos impulsos do coração - ou seja, pelas emoções - do que pela cabeça. Em razão disto, o brasileiro caracteriza-se por ser mais leal aos laços familiares e às amizades do que a qualquer outro tipo de compromisso ou filiação. Ele nunca quis dizer que o brasileiro é cortês ou pacífico. Sob este sentido, um marido ciumento que mata a tiros sua esposa está sendo cordial, e os episódios violentos de nossa História, longe de desmentir esta tese, de fato confirmam-na. Na verdade, não foi nem Sergio Buarque o pai original desta teoria, mas Ribeiro Couto, escritor pouco conhecido.

A maldição foi lançada, não tem jeito. Somos cordiais. Resta analisar esta afirmação infeliz, e verificar o que ela contém de verdade. Em minha opinião, ela é, a um só tempo, redundante e equivocada. Explico.

Primeiro de tudo, qualquer pessoa que já teve contato com indivíduos de variados graus de instrução, sabe muito bem que o temperamento efusivo e a impulsividade dos atos são mais típicos dos ignorantes. Não por acaso: em nossa sociedade, a aquisição de uma cultura esmerada é concomitante a uma mudança no comportamento. O indivíduo educado passa a agir quotidianamente obedecendo a uma série de ritos, os quais devem ser cumpridos à risca, independente de seu estado emocional. Deve ser, também, comedido no uso da palavra, e falar com máxima propriedade. Em suma, quanto mais educação, menos emoção é exibida, e o fato de o brasileiro ser cordial, ou emocional, revela tão-somente aquilo que já sabíamos: somos um povo ignorante, tosco, primitivo. Por este motivo, qualifico de redundante a afirmação de Sérgio Buarque. Alguns, talvez, já terão reconhecido aqui um surrado estereótipo lançado pelos europeus sobre os povos tropicais: o Bom Selvagem, aquela criatura mítica, pura, que age mais movida pelos instintos e pela emoção, do que pela razão ou pelo costume. Mas disto nós já sabíamos.

Ao creditar a esta emocionalidade a nossa propensão de valorizar mais os vínculos familiares e de amizade em detrimento a qualquer outra forma de associação, Sérgio começa a derrapar e entra no terreno do equívoco. Uma coisa não está ligada à outra, embora ambas tenham uma origem comum: o primitivismo. É sabido que as formas de organização social mais primitivas eram baseadas na consangüinidade: os clãs familiares, em geral patrilineares. Esta nossa propensão deve ser explicada, então, pelo atavismo: confiamos mais na família e nos amigos do que em colegas ou sócios, porque é a este coletivo que estamos acostumados. Esta atitude é encontrada, sobretudo, em políticos, que praticam o nepotismo e loteiam cargos entre seus familiares, sob o argumento de que confiam mais neles porque são sua família. Mas pode ser encontrada também em pessoas ignorantes de modo geral. Note que os pobres e ignorantes fazem questão de ter famílias numerosas, mesmo que há muito tempo não vivam mais no campo, onde cada filho é um braço a mais. Eu me lembro particularmente de um episódio quando o ex-jogador Renato Gaúcho tentava renovar seu contrato, e um repórter questionou a quantia absurda que pedia. "Mas eu tenho sete irmãos para sustentar", alegou em tons patéticos... Em meu artigo Família é Atraso, eu explico por que motivos considero a ênfase na família uma forma de organização social atrasada, própria de países pobres. Quanto mais desenvolvido e culto é o país, menos depende o indivíduo da família. Isto é expresso no número de pessoas que vivem sós, cerca de 36% em Paris, 40% na Escandinávia, e apenas 9% no Brasil - o que dá uma boa medida de nosso atraso.

Por fim, Sérgio Buarque mostra uma mente estreita ao dar a entender que esta "cordialidade" seria uma peculiaridade genuinamente brasileira. Com um pouco de observação, notamos que ela é comum a todos os países ou grupamentos humanos pouco desenvolvidos, aqueles mais próximos ao estágio de organização social em torno de clãs familiares. Quanto mais ignorância, menos discernimento, mais impulsividade, mais barulho, mais efusão, mais contam os laços sangüíneos e menos contam os laços não-sangüíneos. Esta observação mal-calculado, entretanto, não chega a empanar o brilho da obra do historiador e explicador do Brasil. O problema tem sido a ênfase com que ela é considerada. Sérgio Buarque de Hollanda, por culpa de sua boca grande, tornou-se alvo de dois grupos bem repugnantes: apologistas babosos que se embriagam na lenda do povo cordial, e esquerdistas raivosos que sonham com o antagonismo entre classes.

 

 

 

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