A Síndrome do Brasileiro Emigrado  
 

Nesses tempos de globalização, aparece um fenômeno novo a cada dia. Ou antes, nossa atenção é tomada por um fenômeno que já existia desde sempre, mas que, por algum motivo, permanecia na sombra, até que a aceleração das rotas e dos meios de comunicação surtem o efeito de torna-lo visível. Refiro-me a uma nova síndrome que grassa por aí: a Síndrome do Brasileiro Emigrado.

Nada novo, nem estranho. A globalização também chega aos postos de trabalho, embora com mais dificuldade do que aos cartuchos de impressora. O que muda é a maneira como estes se conduzem, e a maneira como são encarados. Houve tempo em que tratava-se de um exemplar raro e algo misterioso. Lembro-me de um conselho dado por meu pai: No exterior, fuja de brasileiro. Ele passara algum tempo estudando nos EUA, e viajava periodicamente à Europa lá pelos anos 60 e 70. Tinha algumas histórias para contar a respeito de voltas que levou de brasileiros expatriados, de modo que sua opinião não era desprovida de embasamento. Uma ocasião, um brasileiro nos EUA vendeu-lhe um carro usado cujo chassi rompeu-se no meio da rua, e meu pai ainda teve que pagar a conta do reboque até o ferro-velho (deu exatamente o valor de venda do veículo, e para que meu pai tivesse ao menos algum lucro, o dono do dito ferro-velho deu-lhe de brinde uma caneta que ele tem guardada até hoje). Ignoro até hoje a real dose de preconceito contida neste estereótipo, mas ele não me parecia extraordinário. Afinal, se o Brasil sempre havia sido uma terra de imigrantes, nada mais normal que a coisa desandasse uma vez que os papéis fossem invertidos. Afinal, não é fácil ser uma coisa e o oposto ao mesmo tempo.

Hoje tudo mudou. Emigrar tornou-se uma opção até corriqueira, e nos tempos atuais há brasileiros em toda parte. Travei contato com alguns deles, e são gente comum igual a qualquer vizinho que você tem por aí. Não há mais aquela sensação de desconfiança, de perigo iminente: fuja de brasileiro... Aliás, nesses tempos de internet, não é preciso sequer viajar para entrar em contato com brasileiros expatriados: basta entrar na internet, em um chat ou forum qualquer dos muitos criados por ou para a comunidade de brasileiros da diáspora. Eles estão lá: são estudantes, homens de negócio, lavadores de pratos, engraxates e tudo mais. Um forum na internet é uma invenção maravilhosa. Devo confessar que nas primeiras vezes que acessei um destes, eu não entendi direito, e não pude deixar de ficar chocado com aquela profusão de mensagens insultuosas, racistas ou simplesmente sem sentido. Mas depois eu percebi: estava diante de algo absolutamente inédito e fantástico, uma janela para o que há de mais recôndito da mente humana. De fato, escondidas atrás de nicks, as pessoas perdem qualquer vestígio de autocensura e dizem estritamente aquilo que pensam. Freqüentar um forum destes pode ser mais instrutivo do que passar semanas em pesquisas e entrevistas. No caso dos emigrados, o efeito foi esse, desapareceu a estranheza, mas em compensação, tomei conhecimento de uma doença grave que aflige a quase totalidade desses emigrados, e que vem a ser a síndrome a que eu já me referi. Familiarizei-me com ela aos poucos, e vou tentar explica-la. Tudo começa quando assumimos a identidade de estrangeiros. Sendo esta uma definição excludente - estrangeiro é aquele que não pertence a este país - a conseqüência é que, disso gostemos ou não, quando estamos no exterior, nosso local de origem é parte de nossa identidade. A maioria dos nativos nada sabe sobre nós, exceto que somos originários do país X. E isso pesa na mente de um cidadão que, o mais das vezes, já está bastante abalado e inseguro pelo desenraizamento. As reações são basicamente duas.

O primeiro grupo manifesta um patriotismo arrogante, coisa que nunca tiveram enquanto estavam no Brasil. Passam a enxergar toda sorte de virtudes reais ou lendárias em nossa terra, e deliciam-se em fazer críticas mesquinhas aos locais - em particular direcionadas contra seus hábitos de lazer e higiene. É claro que não explicam por que motivo, se o Brasil é tão maravilhoso, eles estão lá... Por vezes tornam-se melancólicos e ficam a lamuriar as coisas que deixaram para trás, e a maldizer os maus governantes e os planos econômicos que, supostamente, foram os responsáveis por seu exílio. Não pensam em retornar, muito menos em aprender alguma coisa do modo de vida local.

O segundo grupo são os ressentidos. Dizem os mais pesados insultos contra tudo que seja referente a nossa terra, e deixam claro que não se consideram mais brasileiros. Dedicam-se, sempre que podem, a perseguir e espezinhar seus ex-compatriotas, como forma de afirmar sua adesão à nova nacionalidade. É sempre a mesma coisa, os brasileiros no exterior se incluem ora no primeiro grupo, ora no segundo, e são muito raros aqueles que conseguem encarar com naturalidade a sua condição de emigrados.

Como só vejo um dos lados da moeda - o lado dos brasileiros - ignoro a reação que suscitam nos nativos. Mas posso prever. O primeiro grupo, eu suponho que são prudentes o suficiente para restringir suas opiniões aos círculos de compatriotas, e a tendência a longo prazo é eles permanecerem em uma espécie de limbo, nem lá nem cá, a casa e a carreira no estrangeiro, mas o emocional e o imaginário no Brasil. O segundo grupo é pior. Sua atitude de autodesprezo tende a despertar, do mesmo modo, o desprezo dos locais. Ela é vista como uma tentativa servil e desesperada de ser aceito entre eles, mas em última análise, este tipo de adepto não é confiável. Ama-se a traição, mas odeia-se o traidor.

É lamentável a nossa pouca vocação para emigrante, e os estrangeiros que nos recebem já devem ter percebido isso. Ignoro se vamos melhorar com o tempo, o que sei com certeza é que nosso número de emigrados tende a aumentar. É uma tendência mundial, e nada tem a ver com Sarneys e Collores, ao contrário do que afirma a renitente fantasia dos expatriados, que insistem em atribuir sua partida ao acidente de percurso de toparem com um mau governante que os deixou sem perspectivas, mas tudo bem, logo haverão de retornar - e lá estão há 10, 15 anos. Mas que fazer? No mundo globalizado, persiste a visão catastrofista da imigração. Ora o imigrante é visto, pelos locais, como um invasor indesejado e repleto de más intenções, ora são as ONG's a denunciar as agressões, a discriminação, os containeres onde os candidatos a uma vida melhor morrem sufocados. Os revisionistas vem dar seu recado, e emergem antigos ressentimentos entre colonizador e colonizado. É sempre a mesma coisa, a imigração é uma espécie de desgraça, fato inglório, uma anormalidade, algo que em condições normais não devia ocorrer. E no entanto, migrações humanas tem sido fenômeno constante durante toda a história humana, e embora possam trocar de direção e sentido, não há o menor sinal de que irão desaparecer um dia - ainda mais nesta era de globalização.

Não creio que os EUA irão erguer uma segunda Estátua da Liberdade às margens do Rio Grande, mas também não creio que os imigrantes tragam mais problemas que soluções. Afinal, eles estão lá porque lhes é dado o trabalho que é recusado pelos locais. O problema é que se trata de um fenômeno ambíguo: a migração do atrasado em direção ao adiantado tanto pode significar a importação da vanguarda quanto a exportação do atraso. Ao imigrante pobre é dada a oportunidade de manter contato com uma cultura mais evoluída (sim, há culturas mais evoluídas) e esta oportunidade tanto pode ser aproveitada quanto perdida. O país rico que recebe o imigrante assume o risco de receber, junto com trabalhador, os problemas sociais que já foram erradicados: barateamento da mão-de-obra, exploração do trabalhador, cidadania restrita, desordem e conflito. Mas nada é simples, e nem sempre o país que recebe é o adiantado e o país que envia é o atrasado. No século XIX, a Inglaterra era a principal potência e o país mais rico do planeta, e no entanto, produzia emigrantes, ao passo que o Brasil, pobre e com uma economia arcaica, recebia imigrantes. Hoje se vê os benefícios que nos foram trazidos por aqueles imigrantes oriundos de países que, em termos globais, eram cultural e economicamente mais adiantados que o Brasil. Mas o problema é que nossos novos emigrantes muitas vezes são descendentes dos antigos imigrantes, e entre uma geração e outra, incorporaram-se a uma classe média acomodada a certa idéia de segurança. É o caso, sobretudo, dos nipo-brasileiros, que tem facilidade em amealhar altas somas trabalhando como operários no Japão (basta trabalhar muitas horas) mas que, retornando ao Brasil, muitas vezes perdem todo o capital em maus negócios. Estes filhos de uma pequena e combalida classe média já perderam o tino comercial que tinham seus avós, que eram, esses sim, emigrantes por vocação.

 

 

 

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