A Profecia  
 

Sempre tive interesse por assuntos esotéricos. Dizem que é coisa que só deveria interessar a indivíduos simplórios ou ignorantes, e que, se acontece de interessar a um indivíduo de grande bagagem cultural, trata-se de mero escapismo. É bom sonhar de vez em quando. Bem sei que os temas esotéricos rendem toneladas de mistificações na mídia todos os dias, pois o grau de interesse nestes assuntos é, de fato, inversamente proporcional ao grau de instrução. Mas ainda assim me interesso por eles. Insisto que pode haver um fundo de verdade em cada lenda, assim como o fundo da bateia do garimpeiro pode conter uma pepita de ouro em meio ao lodo e ao cascalho. E depois, os outros ramos do conhecimento que me atraem tem a desvantagem de serem terrenos há muito explorados, onde a emoção da descoberta, se ainda existe, com certeza não é acessível a um simples curioso como eu. Os temas esotéricos, ao contrário, surgem como terrenos virgens, desprezados pelos pesquisadores "sérios", e que por este mesmo motivo, podem conter tesouros ainda intactos... quem sabe?

Lia muito a revista Planeta, na época em que ela ainda não se havia tornado mais uma publicação comercial. E continuo lendo coisas aqui e ali, sempre imitando o garimpeiro que procura a pepita em meio ao cascalho. Não me interesso tanto assim por discos voadores, pois penso que, se naves tripuladas já se tornaram um arcaísmo até mesmo entre pobres terráqueos atrasados, com certeza não serão empregadas por avançadíssimas civilizações de outras galáxias. Mas me interesso por temas ligados ao espiritismo, à parapsicologia, e sobretudo, às profecias. Esta virada de milênio foi uma época boa para os profetas, pena que a maioria deles já esteja morta e não possa receber direitos autorais. Nunca vi tantos livros de Nostradamus nas estantes das livrarias. Mas é sempre a mesma coisa: as profecias que já se cumpriram surgem claríssimas e tudo faz sentido; as profecias que ainda estão por cumprir invariavelmente são um texto obscuro que pode ser interpretado conforme a vontade do freguês. Os ensaios de interpretação sempre redundam em fracasso, e chegam a ser risíveis. Charles de Fontbrune, o maior do especialistas em Nostradamus, fez um portentoso trabalho de exegese, e conseguiu descobrir dezenas de citações a episódios do passado em meio ao palavreado críptico redigido em uma mistura de francês, provençal, latim e grego. Mas quando tentou decifrar as quadras que se referem ao futuro, previu uma revolução comunista na Europa Ocidental, duas novas guerras mundiais, o assassinato do papa João Paulo II, a destruição de Paris e o advento do anticristo - tudo isso para o fim do século XX! Haja paciência. A lição que fica é que "prever" o passado é bem mais fácil do que prever o futuro. Se o fato já ocorreu, não custa torcer aqui e ali uma frase qualquer pinçada do texto de Nostradamus e dar-lhe uma interpretação adequada. Sem falar na possibilidade de fraude.

Mas e se eu lhes disser que tenho comigo a prova? Uma prova irrefutável de uma importante profecia que se cumpriu integralmente, o que vem a demonstrar que existem profetas verdadeiros? Que existe o inexplicável e o sobrenatural? E que, se existe a profecia, tudo o mais que o esoterismo afirma também pode existir?

Pois eu tenho essa prova comigo. E tenho-a em minha estante. Toco-a com minhas mãos neste momento. E não se trata de um pergaminho manuscrito, nem de um livro do século XV. Trata-se de um ordinário fascículo, impresso em papel ordinário, de uma coleção que ninguém mais se lembra, chamada Os Grandes Profetas, que eu comprei em uma banca de jornais qualquer em um dia qualquer dos idos de 1985. O fascículo, de número três, tratava de um desconhecido monge bávaro que viveu no século XVII, que era chamado por seus contemporâneos de O Aranha Negra.

Teria nascido em 1588. Por volta de 1605, entrou para um convento, e por volta de 1627 começou a redigir sua profecias, após se haver recolhido a uma gruta nas montanhas. Ganhou o cognome de Aranha Negra (Schwarze Spinne) porque costumava autenticar suas mensagens proféticas com uma rúbrica que lembrava a figura de uma aranha. Dispôs seu texto em ordem cronológica, com uma quadra para cada ano.

Sem aprofundar-se na obra do Aranha Negra, o fascículo que comprei limitava-se a citar uma frase ou outra referente ao passado, e reproduzia integralmente as quadras dedicadas aos anos de 1986 até 2001. Como de costume, as citações do passado estavam cheias de sentido. O profeta afirmou que "Berlim será cortada em dois como um bocado de pão"; para o ano de 1789, escreveu que "desencadear-se-á o turbilhão entre os brocados"; em 1804, "a águia fará o ninho e depois irá apagar-se sobre a água"; em 1914, "no vale, além do rio de sangue, estender-se-ão as cruzes"; em 1978, "o papa falará a língua bárbara" (no caso, o polonês) e ainda "esse ano ouviremos falar de uma grande carestia na Pérsia. O xá será obrigado a deixar o trono". Das quadras referentes aos anos futuros, li duas ou três e não entendi quase nada. A tentativa de interpretação, para não fugir à regra, falava em guerra nuclear, revoluções, catástrofes naturais, e por fim a vinda do anticristo e o fim do mundo. Como eu tinha mais o que fazer antes do mundo acabar, joguei a revista em um canto qualquer e esqueci-me dela.

Mas dali a uns 10 anos achei a revista e, para distrair-me, resolvi reler as profecias e verificar se alguma se cumprira. O texto me pareceu tão desprovido de sentido quanto da primeira vez. Até que eu cheguei no ano de 1989. Meus olhos se arregalaram, e custei a crer no que estava lendo. Mas era aquilo mesmo:

"(...) A mão amarela cortará a cerca e as ovelhas ficarão com um pastor só. Haverá um só pastor e as ovelhas saberão como se colocar em fila até a chegada do bode. A Senhora da Foice terá o caminho cada vez mais difícil. No país em que floresce a neve, o homem descobrirá o licor da vida. E os homens ficarão contentes e as mulheres parirão seus filhos porque saberão que a sua vida será longa e o pão estará sempre garantido pelo pastor. O incêndio, que será alimentado pelo vento do Leste, será apagado com as mesmas mãos daqueles que o atearam. Os carros terão cavalos novos. E os cavalos serão vendidos na beira da estrada por pouco metal. Todos poderão ter um carro. Todos poderão correr. Todos poderão reduzir os tempos. O metal terá o mesmo som em todas as regiões"

Para quem já se esqueceu, 1989 foi o ano da queda do muro de Berlim. É óbvio que a "Senhora da Foice" refere-se à União Soviética, e uma vez que isso é entendido, todo o resto do parágrafo adquire um sentido insofismável. O Aranha Negra, alemão de nascimento, está se referindo a um episódio importantíssimo na história de sua terra natal: a reunificação alemã. A "cerca" é o muro, que foi derrubado, simbólica e fisicamente, e as ovelhas ficaram com um pastor só. O caminho da "senhora da foice" ficou cada vez mais difícil - e de fato, a União Soviética ruiu logo após o muro. É preciso lembrar que o Bloco Soviético ruiu sozinho, sem nenhuma intervenção externa, tal como previra o monge bávaro: o incêndio alimentado pelo vento do leste será apagado "com as mesmas mãos daqueles que o atearam". E no país onde floresce a neve, o homem descobriu "o licor da vida" - isto é, redescobriu os prazeres do capitalismo e do consumo. O Aranha Negra deve ter sentido algum prazer em escrever esta profecia, pois é visivelmente sarcástica sua referência aos antigos automóveis Trabbant da ex-Alemanha Oriental, carrinho danado de feio e muito barulhento, que acabou se tornando o símbolo da penúria do alemão do leste. "Os cavalos serão vendidos na beira da estrada por pouco metal". Lembro-me de ter visto fotos de carcaças inteiras de carros Trabbant jogadas no lixo, logo após a reunificação. "O metal terá o mesmo som em todas as regiões" - a moeda agora é a mesma no leste e no oeste.

Como se explica isso? Na verdade, não se explica. Eu mesmo comprara a revista em 1985, quatro anos antes daqueles eventos acontecerem. Teria sido o texto profético uma falsificação redigida por algum editor metido a analista político? Mas é preciso lembrar que, em 1985, ninguém - absolutamente ninguém - previa a reunificação alemã a curto prazo, muito menos tinha condição de adivinhar o ano exato em que ela ocorreria. Se trata-se de uma fraude, temos que concluir que o fraudador é mais profeta que o próprio Aranha Negra. Em 1985, a Glasnost apenas engatinhava, e ninguém previa que ela viria a causar o colapso do Bloco Soviético - ao contrário, ela fora concebida como uma reestruturação (perestroika) destinada a fortalecer o bloco dos países socialistas, e não a desintegra-lo. A possibilidade de fim da União Soviética sequer passava pela cabeça dos que tentaram interpretar o texto profético, tanto que a tentativa de interpretação publicada chegou a ser hilária ao afirmar que "A grande novidade do ano acontecerá na área diplomática e política, com o acordo entre a União Soviética e a China. 'As ovelhas ficarão com um pastor só', diz a profecia. E isso significa que o marxismo europeu e asiático terão um líder único. E que esse líder será asiático". O descoberta do licor da vida em um país nevado é descrita como: "Um cientista descobrirá o elixir da longa vida. É provável que isso ocorra no Alasca. (...) A vida do homem poderá atingir facilmente os cem anos". E mais: "A Europa estará sob o domínio marxista, mas isso durará pouco tempo. A política chinesa, por ora, não deseja a guerra". O analista só acerta, ligeiramente, ao afirmar: "O ano verá o nascimento de uma moeda internacional. 'O metal terá o mesmo som em todas as regiões'"

Recoloco a revista na estante. Para os que gostam de temas esotéricos, afirmo que tenho em meu poder a prova material da existência de fatos sobrenaturais. E se existem profetas de verdade, quem pode afirmar que não existem também espíritos, fadas, gnomos, reencarnação, milagres, telepatia, telecinésia, premonição, serpentes marinhas, seres alienígenas? Para um curioso como eu, é reconfortante saber que ainda existem os sítios inexplorados.

 

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