A Praga das ONG's  
  Neste início de ano, dois episódios lamentáveis e chocantes vieram sacudir o conformismo nacional quanto à violência e suscitar discussões quanto às causas deste fenômeno, e o que seria possível fazer para solucioná-lo. Refiro-me a dois brutais assassinatos ocorridos no Rio de Janeiro: o do menino João Hélio, preso pelo cinto de segurança e arrastado pelas ruas, e o dos franceses que atuavam em uma ONG que dava amparo a pessoas carentes, e foram trucidados justamente por um destes indivíduos que receberam auxílio.

As discussões têm enfatizado a conveniência de se diminuir a maioridade penal, providência que considero inócua, pois não apenas nosso código penal necessita de uma revisão bem mais ampla, como dos criminosos envolvidos nesta duas brutais ocorrências, apenas um era menor de idade. Um aspecto da questão, a meu ver, bem mais importante, foi colocado a nu, mas quase ninguém pareceu notar. Ficou desmoralizada de forma cabal a velha tese que credita o crime à falta de oportunidades oferecidas aos jovens delinqüentes: de todos os envolvidos, absolutamente nenhum deles se enquadrava neste perfil. Os ladrões de carros responsáveis pela morte de João Hélio eram jovens oriundos da pequena classe média, que tinham família, freqüentaram escolas, mas optaram pelo crime, sabe-se lá por que razões. O caso dos ongueiros mortos, então, é lapidar: chegou a ser divulgada, insistentemente, a versão de que o assassino seria um ex-menino de rua resgatado pela ONG, mero sensacionalismo para tornar mais dramática sua ingratidão por seus benfeitores. Ocorre que o "menino de rua" tinha família - pai, mãe e irmãos - que moram em um modesto prédio de apartamentos. Desde jovem ele manifestava "problemas de convivência", seja lá o que for que isso quer dizer, mas auxílio não lhe faltou: a ONG pagou-lhe escolas, levou-o à França para fazer cursos de francês, deu-lhe emprego em sua própria sede, e ultimamente pagava-lhe uma faculdade particular - a Gama Filho, que no meu tempo era conhecida como "Grana Firme". Mas ele queria mais, e houve por bem roubar e matar aqueles que tudo lhe deram. É inútil especular sobre as razões da mente criminosa. Mas é significativo que o alvo tenha sido justamente uma dessas entidades, que conforme é sabido, são as grandes divulgadoras da tese de que o crime não derivaria da má índole, mas da falta de oportunidades. Chegamos, então, no ponto onde eu queria chegar: a praga das ONG's que tem nos assolado.

No imaginário das pessoas, uma Organização Não-Governamental ainda evoca imagens de jovens abnegados que largam o conforto de seus lares no Primeiro Mundo e vão distribuir alimentos aos famintos da África, cuidar dos doentes em Bangladesh, libertar escravos no Sudão, salvar focas no Canadá e arrostar a ira de governantes ditatoriais, denunciando seus abusos. Tais organizações são utilíssimas, pois como o próprio nome diz, elas não estão vinculadas a um governo, posto que se propõem a fazer justamente aquilo que os governos não fazem. Muito bonito! Mas falta explicar: se elas vão fazer aquilo que o governo não faz, por que elas necessitam do dinheiro do governo para fazer aquilo que o governo não faz? Não seria mais lógico que o governo conservasse esse dinheiro, e o usasse para fazer aquilo que dá para as ONG's fazerem? E se as ONG's não estão vinculadas a nenhum governo, por que sua principal fonte de recursos é justamente a ONU, o pretenso governo mundial?

O recente escândalo do governo Garotinho no Rio de Janeiro - desvio de milhões por parte de centenas de ONG's contratadas sem licitação - veio abalar um pouco esta imagem idílica que ainda é associada às ONG's. No Brasil atual, uma nova ONG é aberta a cada duas horas. Elas não pagam impostos e podem ser contratadas sem licitação, já que se tratam de entidades "beneficentes". Falou-se de uma cidade que teria 1.300 ONG's registradas para cuidar de crianças de rua, e apenas 700 crianças de rua. Ao que parece, nesses dias em que o Estado é saqueado por uma chusma de ONG's de que nem se sabe o nome, as pessoas não demorarão a sentir saudades do tempo em que corrupção era concluio entre políticos e empresários donos de duas ou três empreiteiras, com nomes bem conhecidos. Esta nova modalidade de roubalheira anda tão disseminada que até já ganhou um nome: pilantropia. Mas engana-se quem julga que, ao mencionar a praga das ONG's, eu estou me referindo a estas instituições fajutas. Estou me referindo às ONG's de verdade mesmo. Penso que há algo fundamentalmente errado em sua ideologia e em seu modo de agir. Uma organização que almeja atender a demandas sociais sem estar vinculada a um governo, na verdade almeja assumir encargos de governo, ainda que não declaradamente. Esta é a diferença entre uma ONG e uma instituição beneficente tradicional. Um estudo recente dividiu as ONG's em três categorias, ou melhor dizendo, três gerações: as ONG's de primeira geração faziam donativos ou prestavam serviços de primeira necessidade a pessoas carentes - isto é, davam o peixe. As de segunda geração procuravam ministrar cursos e prover condições de trabalho aos necessitados - ou sejam, ensinavam a pescar. As ONG's atuais são mais abrangentes - elas se propõem a reformar as sociedades, criando uma nova consciência entre os indivíduos marginalizados que constituem seu público-alvo. Elas atuam, portanto, no terreno ideológico, ao mesmo tempo em que dão o peixe e ensinam a pescar, e agindo desta forma elas constituem, na prática, um contrapoder, um mini-Estado dentro do Estado, ainda que não se oponham e até mantenham boas relações com os poderes constituídos. As ONG's que atuam com índios nos confins da amazônia são um bom exemplo deste modus operandi, mas não o mais preocupante, ao menos no presente. Mais perigosas ainda são as ONG's que atuam com presidiários nos grandes centros.

Todos hão de se recordar do levante armado que o PCC protagonizou em São Paulo no ano passado. Muitos devem ter achado o manifesto divulgado pelo PCC após haver seqüestrado dois jornalistas - supostamente destinado a denunciar as lastimáveis condições carcerárias em que vivem os presos - estranhamente semelhante, em seu teor, aos discursos produzidos por padres e sociólogos mentores de ONG's, afirmando a injustiça inerente ao sistema prisional e a falta de oportunidades como causa do crime. E alguns, por fim, vão se lembrar que a advogada presidente de uma ONG ligada ao PCC foi levada em avião do Estado até o presídio onde estava Marcola, ao que tudo indica para negociar uma trégua. Tudo fecha. Não é de hoje que as ONG's infestam os labirintos das favelas. Elas vão lá ocupar os espaços que o poder público não ocupa, certo? Muito justo. Mas convém lembrar que as favelas são dominadas por facções criminosas que não admitem que nada seja feito em seus domínios sem a sua prévia autorização. Lembro de uma ongueira, bem ingênua, que ao ser indagada sobre como obtinha licença dos chefões do tráfico para fazer sua obra social na favela, declarou em alto e bom tom não manter nenhuma relação direta com os bandidos. Mas e relações indiretas? Podem ser mantidas sem quebra de ética? Isto foi o que ficou subentendido. O fato é que as ONG's têm cada vez mais servido de ponte entre o poder público e os chefes de quadrilha, que dessa forma ficam legitimados como líderes e representantes de suas comunidades - tudo a ver, aliás, com a ideologia dessas ONG's, para quem não há bandidos, mas lideranças populares incompreendidas. Contribuindo para tornar cada vez mais promíscuas as relações entre marginais e autoridades, fica estabelecida uma relação simbiótica: as ONG's tornam-se o braço político e jurídico das quadrilhas, e estas por sua vez tornam-se o braço armado das ONG's. O caso de Marcola e sua advogada ongueira é um exemplo no qual este processo já atingiu o estágio mais avançado. Outros seguem pelo mesmo caminho.

Se as ONG's vão concretizar seu projeto de tomada de poder com o auxílio dos bandidos seus amigos, parece pouco crível. Mais provável que suceda é a desmoralização das ONG's como um todo, bem como das idéias que defendem, ficando aberto o caminho para a instauração de um regime autoritário de direita, calcado no medo dos cidadãos à criminalidade. Mas fica no ar a pergunta: que estranha propensão é esta que une sociólogos e sociopatas? Acreditarão eles, realmente, que os bandidos são inocentes vítimas da sociedade, perfeitamente recuperáveis com um pequeno esforço? Ou esta afinidade teria raízes mais profundas? Não sei ao certo, mas diz a sabedoria popular, cria cuervos... ou em português mesmo: dize-me com quem andas, e eu te direi quem és. Os franceses que foram assassinados descobriram isto tarde demais, mas aviso não faltou. Eu me lembro bem, tão logo surgiram as primeiras notícias do crime, um jornal on-line publicou o depoimento de uns vizinhos de prédio dos franceses, que declararam que eles eram consumidores usuais de drogas. Depois não se falou mais no assunto, mas eu registrei o dado. Não que eu considere que gostar de um pozinho básico mereça castigo tão cruel quanto ser trucidado a facadas com requintes de crueldade, mas as vítimas foram, no mínimo, incoerentes. Com certeza obtinham a droga para seu consumo dos favelados a quem a ONG prestava auxílio, talvez do próprio assassino. Estranho, não? Com uma mão eles ajudavam alguns infelizes a escapar de uma vida de crimes, e com a outra mão eles injetavam combustível na máquina que fabrica criminosos. Seriam uns hipócritas? Ou revelavam um atroz desconhecimento de como funcionam as engrenagens do crime organizado nas favelas? Prefiro crer que estavam por demais imbuídos da ideologia que lança a culpa dos delitos a causas abstratas como "a exclusão social", e julgavam sinceramente que o comércio de drogas não tinha nada a ver com aquilo. Infelizmente para eles, os fatos atropelaram as idéias.

Séculos atrás, o Marquês de Pombal teve que expulsar os jesuítas de Portugal, onde mandavam mais que o rei. Tenho a impressão de que um dia o Brasil terá que expulsar as ONG's.

 

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