Natal  
  É natal novamente. Para mim, que procuro organizar minha vida sem depender de efemérides, o natal é o preâmbulo de uma época do ano que considero particularmente aziaga. Começa com o calor. Junto com o calor, vem os engarrafamentos e os atropelos das compras (não que eu faça muitas compras, mas gostaria de ao menos poder circular nas ruas). Então chega o natal. A festa em si não é desagradável, e até me evoca algumas ternas lembranças de meus dias de infância. O pior é o que vem depois. O clima de ano-novo já não é o mesmo clima de natal, é mais pesado, desordeiro. O estampido dos foguetes castiga os ouvidos até que chega a meia-noite, então vem a tradicional queima de fogos, e começa uma batucada, um ritmo de samba no ar, que se mistura com o calor, o lixo e as baratas, e dura até fevereiro, quando termina o carnaval. Então posso dizer que, para mim, o ano efetivamente começa. Mas falava do natal.

Desde que iniciei minha carreira de andarilho da internet, o natal tem representado para mim algo além das compras e da ceia tradicionais. É também a época em que espocam por blogs e forums sempre dois questionamentos: um, aquele que deplora o consumismo que se apossa de todos nesta época, nem tanto por ferir o espírito cristão original - a maioria dos que batem nesta tecla não é cristã - mas por fazer algo ainda mais odioso: dar lucro aos capitalistas. Outro, aquele que procura atiçar o sentimento de culpa dos glutões e clama por caridade a milhões de famintos - nunca há tantos famintos como na época de natal. Nestas horas sempre me vem à lembrança um artigo de Janer Cristaldo que li há tempos, intitulado Natal Em Madri. Nele, o autor conta as impressões que teve ao se deparar com um grupo de manifestantes que protestava contra o consumismo natalino:

"Lá pelas tantas, em plena Puerta del Sol, deparei-me com um grupo de católicos vestidos de andrajos – simulando pobreza, pois pobres não seriam – que ostentavam cartazes contra a sociedade de consumo e o consumismo. Se já não nutro muita simpatia por estes senhores, naquela noite meu sentimento foi de asco".

Concordo plenamente. Tampouco eu sou consumista; muito pelo contrário, raro entro em shopping centers, e quando entro, em geral é para dirigir-me aos cinemas. Meu armário vive cheio de camisas puídas. Meu aparelho celular é sempre de geração passada, pois nunca jogo fora nada que esteja ainda funcionando. Meus eletrodomésticos são velhos, e o fato de eu não ter DVD suscita tal estranheza entre meus amigos e familiares, que estou a ver o dia em que ainda irão internar-me em um hospício por causa disto (e por via das dúvidas, sempre dou uma olhada à procura de homens de branco rondando a porta de minha casa). Sou assim. Mas entendo perfeitamente a importância do consumo para a economia. Pois é justamente esta febre de compras de natal que impulsiona a vasta cadeia de produção e distribuição, incrementa o comércio atacadista e varejista, produz encomendas, gera empregos diretos e indiretos, beneficia desde o balconista da loja até o camelô da esquina. Bem resumiu Janer Cristaldo, no dia em que as pessoas deixarem de consumir o supérfluo, o que faltará na mesa do trabalhador não será o supérfluo, mas o essencial. Enquanto tento de desviar de transeuntes que entram e saem das lojas, posso ser egoísta o suficiente para recusar esmolas aos palhaços fantasiados de papai noel que me abordam, mas jamais seria egoísta o suficiente para condenar o consumismo. Ele tem os seus inconvenientes, mas é a marca de uma economia opulenta, e como tal, não deixa de ser um belo espetáculo.

Mas e os famintos, aqueles que foram excluídos da festa? Eu pergunto: que famintos são estes? Sei que existem, mas não os vejo ao meu redor. Vejo, sim, muitos pobres, favelados e alguns mendigos. Mas pobre e faminto não são sinônimos; todo faminto é pobre, mas nem todo pobre é faminto. E estão ausentes de meu campo de visão aquelas imagens de crianças esqueléticas e adultos com as costelas à mostra pesando 30 quilos, que sei existir nas regiões do globo onde se passa fome efetivamente. Isto acontece no Brasil? Dizem-me que acontece, mas em rincões perdidos no interior, entre tribos de índios isoladas, ou comunidades atingidas pela seca. Enfim, entre indivíduos que estão à margem da Economia de Mercado, que não têm patrão e praticam a Economia Natural, aquela em que o produtor e o consumidor são a mesma pessoa. Isto inclui a comunidade dos homens-caranguejo dos lodaçais do rio Capibaribe, tornada conhecida nacionalmente por aquele célebre ensaio de Josué de Castro, Geopolítica da Fome. Mais apropriado seria chamá-lo de Geografia da Fome, pois a fome não é inerente a decisões políticas, mas ao modo de vida. Fora da Economia de Mercado não existe acumulação, tampouco reservas. O que existe é uma dependência total do homem para com a natureza - se o pescador encontra mais caranguejos do que pode consumir, o excesso se perderá; se encontra menos, ele passará fome. Sei que isto ainda existe no Brasil, mas com toda certeza não é um fenômeno massivo, e disto ficou sabendo também nosso presidente Lula, que com pompa e circunstância lançou o ambicioso Fome Zero, carro-chefe de seu programa de governo, afirmando existir 50 milhões de brasileiros famintos, e pagou um mico fenomenal ao ser desmentido pelo próprio IBGE, que constatou não haver mais de 5 milhões de brasileiros abaixo do peso, e a média estava, ao contrário, acima do peso. Conforme vocês hão de se recordar, Lula ainda tentou pregar outra mentira, afirmando que os entrevistados estariam constrangidos de declarar que passam fome, enquanto o assessor do IBGE muito polidamente explicou que o método empregado não consistia de perguntar às pessoas se passavam fome, mas de pesar crianças de várias idades e comparar os resultados com uma tabela fornecida pela OMS.

Sei que estar acima do peso não é sinônimo de boa alimentação, e tampouco estar abaixo do peso indica necessariamente desnutrição - pode ser uma enfermidade - mas passar fome e estar acima do peso é uma impossibilidade pura e simples, assim como é impossível cair para cima ou subir para baixo. Vê-se então que esta história de que os famintos brasileiros se contam aos milhões é mais uma de muitas potocas que por anos a fio passaram por verdades. Consoante com esta constatação, farei minha parte na campanha Natal Sem Fome comendo bastante, a fim de assegurar que não sentirei nenhum resquício de fome. E Bom Natal para todos!

 

 

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