O Malogro de Minha Geração  
 

Não adianta disfarçar. Evitamos tocar no assunto, mas os fatos estão no ar. Minha geração é perseguida por uma renitente sensação de malogro, de promessa não cumprida, de sonho desfeito, de talento frustrado. E não estou me referindo apenas aos jovens militantes sufocados pela ditadura, pois esses, na realidade, não fracassaram, tanto que estão no poder agora. Refiro-me aos projetos de minha geração como um todo, inclusive os prosaicos desejos de uma vidinha pequeno-burguesa considerada "digna" pelos padrões de nossos pais. Hoje eles se encontram tão enterrados quanto as mais exóticas idéias de nossa adolescência, como se estes fossem tão amalucados quanto estas. O que deu errado?

Como se sabe, é próprio da juventude sonhar, e traçar planos amalucados que nunca serão realizados. Isto repete-se a cada geração, e serve para nos proporcionar, na idade madura, uma doce nostalgia de recordar um tempo quando sonhar não pagava imposto. São sonhos feitos para se curtir na imaginação, e nunca para transformar em um projeto de vida. Se um jovem tem como única ambição levar uma vida igual à de seus pais, ele necessita ser levado ao psicólogo. Mas o que dizer de uma geração que sequer isso conseguiu? Pois foi o que aconteceu. A minha geração foi a única, na história do Brasil, que não conseguiu alcançar um padrão de vida que fosse, ao menos, igual ao da geração precedente. O que deu errado?

Hoje em dia, estacionado na idade madura, parece-me vir de um passado distante as concepções infantis que eu tinha acerca do que seria uma vida "normal" - aquela em que a pessoa se forma, arruma um emprego logo em seguida, e permanece na mesma firma a vida inteira; logo em seguida compra um apartamento, casa-se e tem dois ou três filhos; os filhos crescem enquanto o pai sobe de cargo na firma e muda-se para um apartamento maior; por fim, aposenta-se e vai jogar tênis. Idéias infantis simplistas, próprias de quem ainda não conhece a vida e seus percalços. Ou não seriam? A memória anda meio embotada, mas eu tenho a impressão de que era assim que viviam meus pais, meus tios, os pais de meus colegas de escola. Estas imagens hoje perseguem-me como um indesejável termo de comparação, fazendo todas as minhas modestas conquistas e aquisições parecerem irremediavelmente aquém daquilo que era esperado, e produzindo uma renitente sensação de fracasso, de frustração, uma impressão de haver entrado em decadência sem haver antes passado pelo apogeu. Acredito que essa sensação seja partilhada, em maior ou menor grau, por todas as pessoas de minha geração. Não posso, honestamente, considerar-me um fracassado na vida: tenho teto e comida na mesa. Mas apesar de haver trabalhado ininterruptamente desde minha formatura, estou longe de reunir um patrimônio equivalente ao que meu pai tinha com a minha idade. E meu pai não era nenhum modelo de talento para ganhar dinheiro, ele era apenas um funcionário público federal. Nunca tive uma carreira de evolução linear, mas a carreira em zigue-zague, pulando de empregador em empregador. É verdade que isto tem a ver com a natureza de meu trabalho, que é mais de empreitada do que de vínculo permanente; mas muito embora esta seja uma explicação perfeitamente plausível, continuo com a sensação, a cada emprego novo que arrumo, de que será o definitivo. Ledo engano. Por mais que eu tente justificar, aqueles projetos-modelos de uma vidinha "normal" voltam como fantasmas a perseguir-me, querendo a todo instante dizer-me que não é assim que as coisas são, que não era assim que as coisas deveriam ter sido. A cada novo local em que vou residir ou trabalhar, tenho uma vez mais a impressão de que meus vizinhos e colegas tem um nível sócio-cultural inferior ao que eu estava acostumado em minha juventude.

E no entanto, há um fato sobre o qual eu tenho certeza de que não me enganei: minha geração tinha talento. Muito talento até, e isso era amplamente reconhecido. Onde estão agora estes brilhantes rebentos? Lembro-me dos recordistas de pontos de vestibular, que tornavam-se superstars por pouco tempo. Naqueles tempos de vestibular unificado, os campeões eram pontualmente anunciados a cada ano, assim como os campeões do futebol e do desfile das escolas de samba. Nenhum deles se tornou famoso, ou mesmo destacado em seu ramo de atuação. De vez em quando tenho notícia de um ou outro, e fico sabendo que, assim como eu, estão na vala comum da classe média. Quem diria! Mas quem decifrou o enigma foi o filho de uma amiga minha, rapaz que eu vi criança. Quando aqueles que nós vimos de fraldas começam a nos dar lições, é um sinal inequívoco de que já demos o que tínhamos que dar... Pois ele chegou e falou assim para a mãe: "A questão é que o talento não é raro; ao contrário, o talento é muito mais freqüente do que se supõe. O que realmente conta é a tenacidade"

Caiu como uma luva! Há muito mais talento por aí do que se desconfia, mas isto não é nenhuma garantia de um futuro brilhante. Vejo por meu próprio exemplo: seria fácil eu jogar toda a culpa na crise econômica, mas como diz o ditado, pode-se enganar aos outros, mas não a si próprio. Sei muito bem que, se não tive especial destaque em minha profissão, a culpa foi minha mesmo, por ter sido pouco assertivo, por excessivo temor ao risco, por falta de capacidade de liderança, por ter sido pouco político. Tudo isso afastou-me de cargos mais altos na hierarquia, potencialmente mais bem pagos. Mas e o resto da minha geração? Teria-lhes faltado também tenacidade?

Uma atitude errada, sem dúvida, tiveram. Do início do século XX até meados dos anos setenta, o Brasil foi o campeão mundial de crescimento econômico, com uma taxa média acima de 7% ao ano. De lá para cá, caiu para a 86a posição, com uma taxa média de não mais que 3%. O crescimento rápido saiu tão completamente do imaginário do brasileiro, que o presidente Lula foi alvo de ironias quando anunciou para breve o "espetáculo do crescimento". Lembrando os protestos estudantis e a militância dos anos sessenta, vem-me a impressão de que aquela era uma geração que se queixava de barriga cheia. Quando alguém reclamava da politização excessiva, respondiam-lhe que "não é possível pintar quadros em um navio que está afundando". Mas quem disse que o navio estava afundando? Estava, sim, navegando em águas bem menos turvas do que na época atual. Vê-se agora que a política econômica dos generais tinha bem mais coisas em comum com o "nacionalismo" de Vargas e JK do que se supõe. No essencial, eles concordavam: que a iniciativa privada era desprezível, que somente a mão pesada do estado poderia dirigir a economia, que a inflação era um meio inteligente de distribuir sobre a massa dos assalariados o custo da industrialização do país, que era mais cômodo valer-se de empréstimos externos do que da poupança interna.

O resultado é que até hoje estamos procurando onde foram parar nossos projetinhos de ascensão pequeno-burguesa. Minha geração queria mudar o mundo, hoje não consegue trocar de carro. De uma coisa, porém, orgulho-me: dou valor à classe média a que pertenço, porque tive que lutar para permanecer nela. Os jovens de minha geração alegremente renegaram-na, identificando-a com a "burguesia e o imperialismo", e abraçaram a causa do "povo oprimido", esquecendo-se de que era precisamente a modesta segurança financeira de seus pais que proporcionou-lhes entrar para uma universidade. Finda a década da contestação, veio a década do desbunde, os anos setenta, quando ninguém queria nada com nada. A vida? Bem, a vida de nossos pais foi desse jeito, então a nossa vai ser assim também. Não foi. Mas não se pode negar: se você renega a classe média à qual pertence, é de todo coerente que seja dela expelido.

 

 

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