A Legitimidade do Índio  
  Recebi uma réplica por e-mail de meu artigo UGA! BUGA! da parte do autor do POST original lançado no site Mídia Independente, e que deu origem a esta polêmica. O autor, chamado Leonildo Correa, que também possui um site, reafirmou a legitimidade do discurso do índio Guaicaipuro Cuatémoc, que eu pus em dúvida em meu artigo acima referido. Ele também colocou esta réplica no forum do Mídia Independente em seguida a um POST meu, que pouco depois foi removido pelos censores deste site que se proclama aberto a todos os excluídos da mídia corporativa, e lá ficou a resposta de Leonildo feito discurso de esquizofrênico, rebatendo argumentos que não mais lá se econtravam para serem rebatidos. Uma vez que esta discussão foi encerrada de maneira tão melancólica, sinto-me na obrigação de lhe dar prosseguimento aqui em minha página. Afirmou o senhor Leonildo:

"O discurso proferido por Guaicaipuro Cuatemoc é legítimo e coerente. Não é apenas lógico, mas também expressa a realidade. Principalmente porque, na maioria dos povos da atualidade, existe a regra jurídica que estabelece o direito à reparação por dano causados. No Brasil essa regra é enunciada nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Além disso, a reparação por danos passados é uma coisa comum na atualidade. Basta lembrar as reparações obtidas pelos judeus, vítimas do nazismo, principalmente contra os bancos suiços; ou da condenação da Líbia a indenizar as vítimas de um atentado que aconteceu na Islândia na década de 70; ou ainda as tentativas brasileiras de reparar os descendentes das vítimas da escravidão. Quanto à legitimidade para a propositura da ação, Guaicaipuro sendo um nativo da região e descendente do povo expropriado é parte eficaz no processo, ou seja, tem legitimidade para agir. Os descendentes de outros povos que também habitavam a região possuem o mesmo direito que Guaicaipuro, podendo aderir ao mesmo processo de Cuatemoc. Portanto, a questão é pertinente, pois temos um fato ilícito (a expropriação, o furto e o roubo de riquezas minerais), ocasionando um dano (ao povo nativo da região expropriada) que deve ser reparado. Isso, certamente não deve ser analisado à luz do Direito Brasileiro, mas sim do Direito Internacional e do Direito Interno dos Estados expropriadores. Certamente, nenhum desses Estados autoriza, em sua legislação, o direito de expropriar, ou roubar, o mais fracos, inclusive a Bíblia, um livro seguido em todo o continente europeu, impede e pune esse tipo de comportamento. O que fizeram com as riquezas minerais expropriadas é irrelevante, do ponto de vista do direito à reparação, pois o fato ilícito já aconteceu e repercutiu na esfera jurídica da vítima, ocasionando o dano, ou seja, a expropriação, o roubo e o furto não se tornam menos crime pelo uso da coisa expropriada, roubada ou furtada. O segundo ponto refere-se às guerras entre os nativos na época da expropriação. Esse é um fato completamente irrelevante para a reparação do dano causado, pois estas guerras e brigas não justificam a expropriação implementada, ainda mais por um terceiro que não fazia parte daquele ambiente. Isto também se aplica ao produto do roubo ou expropriação. Se os Europeus o aplicaram em guerras, ou na formação do capitalismo, ou se ainda estão com ele. Definitivamente, isso não importa, pois não justifica o que fizeram e como fizeram. Se expropriaram e roubaram, devem reparar o mal que fizeram e o dano que causaram."

Bem sei que é norma elementar do Direito a obrigação de reparar o dano causado a outrém, haja visto os exemplos citados dos judeus lesados pelo nazismo, ou dos islandeses vítimas de atentado terrorista promovido pelo governo da Líbia. Mas sei também que toda Ordem Jurídica emana de uma Ordem Política, e por este motivo sua validade não pode ser anterior nem ulterior à Ordem Política que lhe deu respaldo. Não se pode invocar a constituição brasileira atual para julgar ocorrências havidas no século XV, assim como a constituição imperial de Dom Pedro I não pode ser invocada para julgar um litígio que deu entrada semana passada. Certas normas do Direito parecem ser universais e atemporais, mas a Ordem Jurídica propriamente dita - aquela de que se valem os tribunais para funcionar - esta é irremediavelmente limitada no tempo e no espaço. Nenhum juiz pode arrogar-se a prerrogativa a julgar demandas de povos que vivem em regiões distantes e seguem costumes diferentes, assim como não pode julgar demandas prescritas séculos atrás, quando os costumes eram, do mesmo modo, diferentes. Nem poderia ser de outro jeito, do contrário teríamos que regressar à Idade da Pedra a fim de reparar todas as injustiças havidas na história da humanidade. As pretensões de judeus e de islandeses a uma indenização são perfeitamente válidas, pois eles foram lesados no século XX, em plena vigência de uma Ordem Jurídica nacional e internacional que dá respaldo a suas demandas. Mas é ridículo tentar aplicar os artigos 186, 187 e 927 de nosso Código Penal, velho de um século, a episódios ocorridos cinco séculos atrás. Mesmo porque, para que este código pudesse ser implantado entre nós, foi necessário que os povos nativos desta terra fossem conquistados e submetidos, pois estes povos não tinham qualquer noção de Direito Romano, muito menos de reparações e indenizações devidas. Eles tampouco se consideravam na obrigação de indenizar os descendentes das tribos que, no passado, eles guerrearam e espoliaram. O discurso do cacique Guaicaipuro Cuatémoc pode ter recebido aplausos de uma audiência de europeus embasbacados, mas fico pensando como eu serei recebido se, um belo dia, resolver dar as caras em um aldeamento qualquer no litoral, de descendentes de tupis-guranis, mandar reunir a tribo e informa-los de que terão que se retirar dali e ainda pagar uma indenização aos descendentes das tribos tapuias que habitavam aquele mesmo litoral poucos séculos antes da chegada dos portugueses, e que foram desalojadas, pilhadas e massacradas pelos seus ancestrais, guerreiros tupis, em sua migração do interior para a costa. Eu poderia também procurar os remanescentes de uma dessas tribos tapuias, os botocudos por exemplo, e exigir que pagassem uma indenização por haverem destruído e exterminado o Homem do Sambaqui, o índio pré-histórico brasileiro, mas aí a coisa complica, pois não há mais um só descencente vivo para receber a bolada. Como se vê, genocídio não é novidade nessas terras, nem exclusividade de europeu invasor.

E mesmo se a conquista do Novo Mundo configurasse uma apropriação indevida, eu fico curioso para saber que critérios o cacique Guaicaipuro utiliza para considerar os nativos como "proprietários" de um continente inteiro, aí incluídas regiões que eram desabitadas por ocasião da chegada dos "ladrões", bem como de jazidas minerais cuja existência os nativos desconheciam, mesmo porque a grande maioria deles ainda estava na Idade da Pedra, e por conseguinte desconhecia a metalurgia. Do jeito que Guaicaipuro fala, fica parecendo que os índios de 500 anos atrás habitavam países com fronteiras demarcadas, e que as minas tinham proprietários reconhecidos. Mas exceto por alguns grupos altamente civilizados como os incas e astecas, os nativos do Novo Mundo eram semi-nômades, e não tinham a menor noção de fronteiras nacionais, limites de jurisdição ou de propriedade privada - estes conceitos foram trazidos pelo europeu invasor. Como podem eles acusar o europeu por haver cruzado uma fronteira que não existia, invadido um território que não estava demarcado, e lhe haver expropriado de coisas que não tinham nenhum uso para eles?

Numa coisa eu concordo com a argumentação do senhor Leonildo: o fato de os nativos viverem em guerra no passado não tem nada a ver com o que lhes sucedeu posteriormente. Mas este fato tira a legitimidade de um único cacique fazer-se porta-voz de toda esta multidão de povos extintos ou semi-extintos, que no passado tinham pouca ou nenhuma afinidade entre si: que moral o senhor Cuatémoc tem para acusar os europeus por invadir, pilhar, escravizar e matar, se era exatamente isto que a tribo do senhor Cuatémoc vinha fazendo há gerações? E depois, se os europeus foram grandes conquistadores e saqueadores no passado, é preciso lembrar que também foi no Ocidente Cristão que emergiu a idéia de que a guerra de conquista e a escravização dos vencidos são atos imorais e inaceitáveis entre povos ditos civilizados. Este conceito foi lançado ainda no século XVIII, na época do Iluminismo, e consolidou-se no século XX, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Outro equívoco do senhor Leonildo foi afirmar que estes princípios já estariam consagrados na Bíblia desde sempre. Além de confundir o que é proibido aos indivíduos com o que é proibido aos governos, o senhor Leonildo mostra que nunca leu a Bíblia. Lá se encontram cuidadosamente regulamentados os procedimentos que os hebreus deveriam observar ao guerrear e submeter os povos vizinhos, desde a forma como se deveria dar o ultimato até a maneira certa de fazer o cerco à cidade, quem deveria ser morto e quem deveria ser feito escravo, e como dividir o botim. A escravidão, igualmente, tinha todo o respaldo na lei mosaica, limitando-se o texto sagrado a conceder ao escravo alguns direitos básicos, recomendar que ele fosse bem tratado e a elogiar o senhor que voluntariamente libertasse seus servos. Nem poderia ser diferente, pois os livros da Bíblia foram escritos em uma época em que a guerra de conquista e a escravidão eram práticas vistas como naturais e aceitas por todos. Não se aplica no passado a moral do presente.

Mas esta discussão toda não tem outro objetivo senão alimentar a ilusão, atirar para o passado a origem dos problemas do presente, culpar personagens fantasmais pelos erros cometidos por personagens bem reais, e vitimizar povos e indivíduos que nada têm de vítimas. É doce o prazer de jogar a culpa nos outros, eu reconheço. Mas temos muitos exemplos no presente de indivíduos que cometeram e ainda cometem toda a sorte de barbaridades, e não temos nenhuma lição de moral para dar àqueles que, no passado, fizeram o que era praxe fazer naqueles tempos. Mas prometo reativar sem demora o forum de meu site, para que esta discussão possa ter continuidade, caso alguém queira fazê-lo, e com toda a certeza não vou censurar a opinião de ninguém, ao contrário do que faz o Mídia Independente.

 

 

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