Eu, a Internet e o Mundo  
 

Faz bem uns 10 anos que comecei a utilizar-me regularmente da internet. Mas a minha impressão é de uma eternidade, tanto que mal consigo me lembrar de como era "antes", assim como mal consigo me lembrar de como era o meu dia-a-dia na época em que eu não sabia ainda caminhar de pé. A bem dizer, eu já era um internauta antes mesmo de ter contato com esse termo. Eu me recordo bem da minha dificuldade em me concentrar em qualquer leitura, fosse da escola ou de mero entretenimento: a toda hora eu tinha a curiosidade despertada por uns "ganchos" que me pareciam atraentes, e invariavelmente desviava o foco do objeto de estudo, até apanhar novo gancho, e... daí por diante. Hoje os ganchos se chamam links clicáveis, e raramente me sento ao computador com um objetivo específico: meu prazer é pular de link em link, feliz como pinto no lixo.

Mas se minha adaptação à Era da Internet foi imediata, a ponto de eu ter a sensação, não de estar ingressando em um novo mundo, mas de estar retornando ao lar após uma longa ausência, por outro lado não pude deixar de perceber que algo muito importante havia mudado, e que as coisas nunca mais seriam como antes. É inevitável, nesses casos, um sentimento de perda, uma nostalgia por um passado que não volta mais. Mais sério, porém, é a angústia de perceber desdobramentos que darão origens a conseqüências sobre as quais não há muita certeza. De imediato, a impressão que eu tive foi de que o mundo encolhera. As distâncias e os tempos se encurtaram, tudo agora está ao alcance de um clicar de mouse. Aquele texto lido anos atrás, que antes você só podia revê-lo se fosse a uma biblioteca, agora pode ser encontrado em muitas localidades mediante uma rápida busca. Aquele ex-colega que você não vê há anos, de repente aparece em uma página qualquer de relacionamentos. Tudo fica próximo e o mistério se dissipa, e há nisso um certo fastio - quem não concorda que a vastidão é mais imponente que a pequenez, e que há uma certa doçura em todo mistério não revelado? E pensando bem, será que é mesmo interessante rever aquele fulano que você não via há 20 anos?

É certo que a única coisa que efetivamente existe é o presente, e tanto o passado como o futuro são projeções de nossa mente - o primeiro, da memória, e o segundo, da imaginação. Mas será que faz bem fazer zigue-zague entre o passado e o futuro tão abruptamente? Em minha opinião, certos mistérios são mais belos quando irrevelados, e certas pessoas, interessantes em nossas lembranças, parecem perder o encanto se apartadas do contexto da época em que as conhecemos. Mas o que mais deixou-me apreensivo, em minha carreira de internauta, foi constatar que os segredos não são mais segredos. Explico: costumo freqüentar muitos forums de debates, onde os participantes não são obrigados a se identificar, podendo utilizar nicks, ou apelidos. Com a proteção do anonimato, a auto-censura desaparece. De fato, todos podem afirmar o que quiserem, que não sofrerão conseqüência alguma. É claro que se trata de uma oportunidade para lançar insultos aos desafetos, usar linguagem de baixo calão, bem como contar as mentiras mais deslavadas. Mas também é uma oportunidade para se falar as verdades mais cristalinas, aquelas que normalmente ficaríamos receosos ou constrangidos de expressar. Lembro-me bem, em meus primeiros tempos de bate-boca em forums e chats, de haver experimentado vezes sem conta aquela sensação da criança que de repente encontra aberto o armário secreto da vovó, ou vê largado sobre a mesa o diário secreto da irmã mais velha. Tive o prazer obsceno de penetrar no íntimo das consciências, a oportunidade de conhecer os pensamentos secretos das pessoas, quase sempre, porém, seguida do desejo de continuar desconhecendo-os. Se na época isto me era excitante, hoje confesso que às vezes sinto-me deprimido ao vasculhar trocas de mensagens em forums. Refiro-me ao extremo desrespeito e insensibilidade dos participantes, que me faz lembrar certa experiência famosa realizada nos EUA 40 anos atrás, bem antes da internet, portanto. O pesquisador desejava descobrir como indivíduos aparentemente normais podiam tornar-se sádicos torturadores se estivessem investidos de poder. Colocou, então, vários voluntários atrás de um biombo, enquanto outros voluntários escolhidos ao acaso faziam-lhes perguntas, e caso errassem a resposta, tinham o direito de apertar um botão que lhes dava um choque elétrico. Foi observado que, sem contato visual com as vítimas, toda a compaixão desaparecia, e os experimentadores não sentiam remorso algum e até desenvolviam um gosto sádico em aplicar os choques, embora soubessem que havia uma pessoa por detrás do biombo. Penso que o mesmo ocorre em um forum qualquer da internet. Os participantes, com sua real identidade oculta por nick's, tornam-se mutuamente invisíveis e perdem qualquer norma de civilidade e humano respeito. O anonimato corrompe, sem dúvida. Já dizia o personagem principal de O Homem Invisível, você não sabe do que é capaz de fazer quando não tem que se olhar no espelho.

A internet estaria tornando as pessoas mais mal-educadas? Acho que as conseqüências vão além disto. É, de fato, inebriante a sensação de privacidade preservada que se tem ao digitar ao teclado de um computador na sala escura de um cyber-café, sem ter que olhar nos olhos de um interlocutor. Lembro-me bem que, nos tempos de minha juventude, os diários dos adolescentes eram ultra secretos, e alguns até vinham com um pequeno cadeado para preservá-los de mãos curiosas. Pois hoje em dia, todo adolescente tem seu blog na internet, ao alcance não só de parentes e amigos, mas de qualquer um. Mas sejam adolescentes blogueiros ou freqüentadores de forums e chat's, há um pormenor que os língua-soltas parecem não haver percebido: tudo o que digitam fica gravado em um histórico, e pode ser visitado posteriormente por um número enorme de usuários da internet, comunidade que cresce sem cessar. Com tanta sinceridade à solta por aí, o benefício da dúvida fica prejudicado. O que as pessoas realmente pensam fica ali exposto em toda a sua crueza, e as ilusões se dissipam. Constatamos, desiludidos, que as pessoas não são o que parecem. Mais grave ainda, a internet é um espaço multinacional, multiétnico, multirracial e multirreligioso: nunca deixo de ficar pasmo com a disposição que os internautas têm de trocar insultos racistas e fazer chacota com a nacionalidade ou a religião alheias. Não se trata do ódio ancestral característico de povos que têm um histórico de mútuas guerras e massacres, mas de um sentimento mesquinho, gratuito, vulgar, repulsivo ao extremo. Tenho a impressão de que, a longo prazo, o mundo não sairá ileso de tanta maledicência. Se até finais do século XX o mundo podia ser considerado uma Aldeia Global, penso que a era da internet promoveu-a à condição de Cortiço Global. Um cortiço, como se sabe, é habitado por múltiplas famílias que ali vivem com pouca privacidade em meio às fofocas dos vizinhos. O sarcasmo característico dos chats acabará impregnando todas as conversações? Não sei, mas se acontecer, será um processo tão lento que ninguém se dará conta do motivo. Quem viver, verá.

Mas longe de mim falar mal da globalização utilizando-me justamente da internet, a ferramenta-mor dessa mesma globalização. Aceito o mundo tal como ele é. Estou ciente de que aquilo que chamamos globalização não foi criado pela mente maquiavélica de meia-dúzia de conspiradores, mas trata-se de um fenômeno não-planejado, paulatino, decorrente do aumento das populações e da evolução dos meios de transporte e das comunicações - todas essas tendências inexoráveis. A globalização, portanto, veio para ficar, assim como suas conseqüências. Tornei-me um perfeito internauta, mas ao mesmo tempo passei a valorizar mais minha privacidade, e sinto com freqüência cada vez maior a necessidade de estar em lugares onde não há cabos telefônicos, onde eu possa fazer longas caminhadas e usufruir, enquanto puder, da sensação de que o mundo ainda é vasto.

 

 

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