O Homem Que Queria Ser Rei  
  Há certas obras de ficção, muito boas, que têm a faculdade de sobressair de seu contexto original. Quero dizer que, embora inseridas em uma época e local definidos, seguindo uma trama bem específica, com personagens rigidamente delineados, elas conseguem ser tão emblemáticas que acabam por se aplicar a uma situação que surge aleatoriamente no futuro, em um contexto inteiramente distinto. Refiro-me a O Homem Que Queria Ser Rei, de Rudyard Kipling. Não li o original, mas vi o filme, excelente, de John Huston, que contou a história de maneira divertida e irônica, favorecido ainda pela ótima atuação de Sean Connery e Michael Caine. Deve ter sido gratificante também para Connery, que naquele ano de 1975 apenas começava a despir a pele de James Bond.

Quem também viu há de se lembrar: dois aventureiros se embrenham pelos confins do Império Britânico, em um reino perdido aos pés do Himalaia, que segundo dizem, não tinha contato com o resto do mundo desde a época de Alexandre O Grande, o último estrangeiro que andou por ali. Subitamente, um incidente fortuito faz com que um dos aventureiros seja tomado por um deus mitológico dos locais, cuja volta era profetizada - na verdade, tomam-no pelo próprio Alexandre o Grande redivivo. O intruso é conduzido a um trono e todos se prostram a seus pés. Agora ele é o rei daquele povo. O problema é que ele gosta do papel. Mete-se efetivamente na pele do personagem, e exige ser tratado como tal. Dá ordens, edita leis, e começa a montar um harém de esposas. As coisas correm às mil maravilhas para o vivaldino, até que um segundo incidente, tão fortuito quanto o primeiro, faz com que os nativos descubram o engano: aquele indivíduo não é deus coisa nenhuma. Bem, não vou contar o que a turba enfurecida fez com ele, para não ferir as almas sensíveis...

A comparação tem lugar na época atual, neste exato país. O homem que queria ser rei não é senão nosso presidente, Luís Inácio Lula da Silva. Pessoalmente não tenho absolutamente nada contra ele; considero-o uma pessoa comum, diria mesmo excessivamente comum, vulgar até, nem santo, nem canalha. Mas as circunstâncias que o levaram do anonimato à presidência do país têm tudo a ver com a trama do filme. No início, Luís Inácio era apenas um bem-sucedido dirigente sindical, e parecia não ter ambição de ser nada além do que efetivamente era. Bem afinado com os interesses corporativos da classe dos operários metalúrgicos, com capacidade para chefiar homens rudes e de pouca cultura, corajoso o suficiente para radicalizar em uma época que o regime militar ainda metia medo, Lula tornou-se notícia por liderar as primeiras greves vitoriosas que se viam neste país desde muitos anos. Só que nesta mesma época sucedeu de estar sendo organizado um novo partido político, formado pelos exilados recém-regressados ao país após a anistia, em parceria com demais elementos de esquerda que haviam permanecido no país naqueles anos mais duros, abrigados sobretudo nas universidades. Deram-lhe o nome de o Partido dos Trabalhadores. Mas que é do trabalhador? O que havia eram estudantes, sociólogos, padres adeptos da Teologia da Libertação. Trabalhador, nenhum. Foi aí que surgiu Lula no horizonte. Tal como sucedeu com os habitantes daquele reino distante, eles tomaram Lula como seu messias, O Operário, aquele que, conforme anunciado pelo seu profeta, Karl Marx, um dia baixaria à Terra para redimir o proletariado e livra-lo do jugo das elites malvadas. Lula foi cooptado com a finalidade de dar legitimidade a um partido que pretendia-se "dos trabalhadores". A intenção de fazê-lo mera figura de proa era bem notória a princípio - ele era ainda meio bruto, precisava ser lapidado, educado para o marxismo, com o tempo estaria preparado...

Mas o problema é que Lula gostou da função. Alguns hão de se lembrar que, bem no início, o sindicalista iracundo tinha antipatia por aqueles senhores, e sequer permitia a presença de estudantes nos palanques. Mas esta fase foi rápida. De sindicalista profissional a militante profissional, o progresso foi grande. Sem jamais haver administrado sequer uma prefeitura do interior, ele candidatou-se a presidente, uma, duas, três vezes, e por fim conseguiu. Até que um incidente prosaico - ou antes, uma sucessão de episódios sórdidos - fez quebrar o encanto que já havia durado demais, e aos olhos do povo, Lula viu-se reduzido a suas proporções originais. Ele não era nenhum messias redentor, como havia sido prometido. Mas como nosso povo tem fama de cordial, para não dizer leniente, por certo que não lhe darão o mau destino reservado ao aventureiro do filme.

Acredito que a história de Lula se encaminha para seu patético fim. O encanto, uma vez quebrado, não se restabelece mais. Resta analisar o que deu de errado nesta curta e desastrada epopéia do PT. A explicação que mais aparece por aí é que o PT deixou-se cooptar, abandonou o idealismo dos primórdios, aburguesou-se. Ou então apenas "escorregou" e deixou-se ludibriar pela lábia dos vis políticos tradicionais, mas ainda tem jeito. Na minha opinião, não é nada disto. Conhecendo-se a História Universal e o histórico pessoal dos militantes petistas, sabe-se que o fracasso do PT não foi nenhum acidente de percurso. Foi, antes, o único epílogo possível para o caminho por onde se embrenhou, ou viu-se forçado a se embrenhar por força das circunstâncias. Trata-se da conseqüência inevitável da aplicação do modo de agir marxista a um contexto não-revolucionário - isto é, a uma situação em que se é obrigado a governar dentro da legalidade. O marxismo não é, de modo algum, compatível com o império da lei; ele é revolucionário por definição. Não que eu tenha a cara-de-pau de afirmar que os militantes petistas ainda acalentavam sonhos de fazer uma revolução pela via da luta armada neste mundo pós guerra fria. Mas o modo de agir marxista, a visão marxista do mundo, os valores marxistas, continuam norteando a conduta dos petistas. Sua atitude em relação à corrupção mostra bem isto. Conforme é sabido, sempre fez parte do ideário petista a ética na política, e esta intenção era, até onde eu sei, sincera.

Entretanto, sob a ótica marxista, a consciência individual não existe, e todas as pessoas supostamente agem de forma automatizada conforme os interesses históricos da classe social a que pertencem. Não existem atributos pessoais, mas atributos coletivos - a corrupção existe, não porque Fulano e Beltrano são corruptos, mas porque a corrupção é o modo de agir peculiar ao modus operandi político da classe a que Fulano e Beltrano pertencem. Em suma, há sistemas políticos inerentemente corruptos e sistemas políticos inerentemente éticos. Um militante de formação intelectual marxista identificaria o Sistema Inerentemente Corrupto como o capitalista, ou burguês, e o Sistema Inerentemente Ético seria o regime socialista utópico que ele luta por implantar.

O corolário desta tese é que, se o objetivo é eliminar a corrupção, o método a ser empregado não consiste, de modo algum, em mandar os corruptos para a cadeia, muito menos de se abster de praticar a corrupção. O único meio é acabar com o Sistema Corrupto e implantar em seu lugar o Sistema Ético (uma abordagem semelhante é aplicada ao problema da criminalidade: afirma-se que de nada adianta mandar os criminosos para a cadeia, mas a única solução seria eliminar as supostas "causas sociais" do crime). Até que seja implantado o Sistema Ético, portanto, vale tudo; nenhuma ética é devida no trato com os políticos burgueses, porque a política burguesa, segundo crêem, é intrinsecamente corrupta. Aqui recaímos naquele aforismo velho e cínico, "os fins justificam os meios", ou então naquele outro aforismo ainda mais velho e mais cínico, "ladrão que rouba ladrão, tem cem anos de perdão".

O que não explicam é como pretendem implantar o futuro Sistema Ético tendo como matéria-prima militantes cevados na mais absoluta falta de ética.

 

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