Gigantes do Brasil  
 

O canal History, que já apresentou uma série de reportagens intitulada Gigantes da Indústria contando a trajetória dos pioneiros industriais e mega-empresários norte-americanos, agora está apresentando uma produção contando a história de nossos empreendedores pioneiros, Gigantes do Brasil.

Vem em boa hora nesse momento em que o país está em crise e está sendo questionado, mais do que um governo, um modelo de desenvolvimento. Agora que vivemos o ocaso do desenvolvimentismo nacional-estatista varguista, é oportuno recordar o que acontecia antes desta fase histórica, e como se conduziam nossos pioneiros visionários. A produção é bem cuidada, a reconstituição de época muito bem feita, e são mostrados detalhes biográficos de quatro personagens escolhidos: Matarazzo, Martinelli, Farquhar e Guinle. Esta amostra já permite algumas inferências: o que os tais gigantes do Brasil tinham em comum uns com os outros? Quais são as semelhanças e as diferenças entre eles e os gigantes da indústria norte-americanos mostrados anteriormente?

Duas características que notei logo nos personagens brasileiros foram, primeiro, que a maioria deles começou pobre, ou ao menos vinda de um patamar bem mais modesto; segundo, que a maioria deles nasceu fora do país: Matarazzo e Martinelli eram italianos, e Farquhar norte-americano. Vale dizer que durante boa parte de suas carreiras eles conheceram o capitalismo mais elementar, aquele onde o contato entre comerciante e cliente é pessoal, separados apenas por um balcão, ou nem isso quando trabalhavam como mascates. Não há interferência de políticos. Mesmo depois quando já eram magnatas e frequentavam gabinetes de altas autoridades, a impressão que fica é que eram mais joguetes do que manipuladores, e nesse aspecto eles se diferenciam dramaticamente dos gigantes da indústria norte-americanos, os famosos Barões Ladrões que floresceram na Gilded Age com a política na mão e os políticos no bolso, dando origem a numerosos trustes que desfilariam seu poder pelo século 20 adentro.

É uma conclusão curiosa: então os industriais brasileiros, que hoje vivem na parceria com o Estado dirigista, terminaram por onde os norte-americanos começaram? É preciso analisar com cuidado para não se cair na armadilha de falsas analogias. No final do século 19, os políticos já eram corruptos, mas o Estado ainda não era dirigista. Os empreendedores norte-americanos não podiam se esquivar de ter boas relações com os políticos, mesmo porque em boa parte atuavam em áreas que dependiam de concessões do governo, como ferrovias e petróleo. Sem dúvida que estavam cientes de representar o Poder Econômico na mais legítima acepção do termo, naqueles anos de auge da revolução industrial. O mesmo não se diz dos seus equivalentes brasileiros, que na mesma época atuavam geralmente em áreas estritamente privadas e ignoradas pelo poder público, e com certeza estavam cientes de que o verdadeiro Poder Econômico do país não era representado por aqueles industriais incipientes, mas pelos fazendeiros de café que povoavam os gabinetes. Tal como seu distante predecessor, o Barão de Mauá, estavam tão sujeitos aos humores da política quanto um barquinho de papel no mar, e podiam passar da riqueza à pobreza mediante uma decisão de um ministro qualquer.

Fossem esses homens heróis ou vilões, esta fase por assim dizer heróica do capitalismo brasileiro esvaneceu-se a partir da Era Vargas. Desde então a indústria brasileira experimentou um desenvolvimento extraordinário, mas impessoal, sem "gigantes". O Estado tornou-se o indutor do desenvolvimento, e para os empresários grandes ou pequenos a fórmula do sucesso passou a ser o bom trânsito junto às autoridades governamentais. Não se ouviu mais falar de histórias de meninos que começavam como mascates e legavam a seus herdeiros um vasto império - de fato, quando os sobrenomes desses capitães de indústria voltaram a frequentar os noticiários, foi para informar escândalos de corrupção e prisões. O último grande capitalista brasileiro, Eike Batista, soçobrou junto com o nacional-estatismo ao qual devera sua ascenção, na verdade puxado pelo pai, Eliézer.

No início da Era Vargas, poucos duvidavam de que a ação de um Estado forte era indispensável para se alavancar o crescimento industrial em um país agrário e dominado por oligarquias provinciais. Hoje, porém, observando-se a economia e os escândalos, poucos também duvidam que o nacional-estatismo já deu tudo de bom que podia dar. Nossa elite industrial agora é um séquito de empresários amigos-do-rei, compondo-se com uma elite política de burocratas de empresas estatais à qual se junta uma elite de sindicalistas cooptados, imitando pateticamente as antigas nomenklaturas dos antigos países soviéticos.

Diante deste quadro desalentador, fica comigo a impressão de que a idade de ouro da indústria nacional foi mesmo aquele tempo em que um imigrante chegava aqui sem tostão, montava uma fabriqueta, trabalhava feito um mouro (expressão antiga!) e morria deixando a seus filhos um vasto império. Mas os netos deste empreendedor hoje preferem viver nas abas do Estado. Seja romântica ou não a visão que hoje se tem desses gigantes do passado, sob um aspecto não há dúvida de que eles se diferenciam radicalmente dos empresários atuais: a disposição de correr riscos. A biografia desses senhores mostra que em várias ocasiões eles não hesitaram em apostar todas as suas fichas para lançar um novo empreendimento inédito no país, mesmo quando já estavam razoavelmente estabelecidos em seus negócios. Não foram prudentes, com certeza. Mas nessa hora lembro-me da anedota contada por David Landes em A Riqueza e a Pobreza das Nações. Em meados do século 19, quando a Alemanha ainda era uma região predominantemente agrária, um grupo de empresários locais recorreu à consultoria de um eminente economista britânico. Após uma série de estudos, o consultor expôs sua conclusão: a melhor opção para eles era plantar trigo e centeio, exportá-lo para a Grã-Bretanha e importar manufaturas inglesas.

Tivessem seguido o conselho desse senhor, comenta Landes, os alemães estariam sendo bastante racionais, mas hoje em dia seriam bem pobres. E no entanto, seus cálculos estavam corretos. Só que a opção mais lucrativa do presente pode não ser a do futuro. E redundante é dizer, nada acontece se não há um esforço para que aconteça.

Contemplando os empresários atuais, totalmente avessos ao risco e ávidos pelo guarda-chuva estatal, noto uma enorme semelhança com o cenário de 200 anos atrás, antes da abertura dos portos de Dom João VI: naqueles tempos pré-capitalistas vigorava o sistema conhecido como mercantilismo, no qual apenas o comércio da colônia com a metrópole era permitido, inexistia a livre empresa e a livre concorrência, e toda atividade econômica só era possível com a autorização (alvará régio) e o apoio do rei, que concedia monopólios a seus protegidos. Será que o Brasil chegou ao passado antes de chegar ao futuro?

 

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