A evolução dos partidos no Brasil  
 

Em muitos lugares do mundo, a história de um país confunde-se com a história de seus principais partidos políticos, o que por sua vez reflete a evolução e as transformações do quadro econômico e social. Mas não no Brasil. Aqui os partidos, como os remédios, sempre tiveram prazo de validade - a cada nova transição, seja da monarquia para a república, seja de uma república para outra, os partidos são liquidados e os políticos vão recompor um novo quadro partidário. Tem sido sempre assim. Alguns argumentam que essa fraqueza tradicional dos partidos predispõe à descontinuidade dos projetos políticos e ao aparecimento de lideranças personalistas, geralmente de trajetória meteórica. Mas eu penso que a questão é um pouco mais complexa, e por detrás dos partidos de pouca significância estão forças políticas bem mais determinantes, embora de rosto pouco distinguível. Os acontecimentos recentes vem demonstrar esta premissa.

Vou abordar aqui somente a última grande transmutação dos partidos políticos nacionais. Conforme é sabido, o quadro partidário da terceira república foi liquidado pelo AI-2, que deu margem à existência de somente dois partidos políticos, o da situação e o da oposição. Foi feito previamente um expurgo geral de todos os elementos que pudessem representar algum perigo ao novo regime, tanto entre os opositores quanto entre os situacionista. Disto resultou que a UDN, tida como a grande vitoriosa do movimento de 1964, ganhou mas não levou - seus principais líderes, como Carlos Lacerda, foram cassados e os demais atirados na vala comum da ARENA, o partido situacionista, junto com vários outros políticos do PSD e outros partidos, formando uma massa amorfa e despersonalizada. O regime dos generais prescindia de partidos políticos e só os mantinha pro forma. A fim de garantir sempre um sufrágio favorável ao partido situacionista, vários dispositivos foram criados com a finalidade de deformar a matemática da representatividade, privilegiando rincões pobres onde os eleitos mostravam submissão ao governo em detrimento a centros ricos e grandes metrópoles propensas a fornecer lideranças mais independentes. Agindo desta forma, ironicamente, foi o regime militar o responsável pela liquidação da vanguarda da direita do país, uma vez que substituiu os antigos líderes aguerridos da UDN e do PSD por políticos provincianos basicamente vassalos e vazios de ideologia. Obviamente não era essa a intenção dos generais, mas tampouco existe aí uma contradição, pois como já foi dito, o regime prescindia de partidos políticos.

Tanto a antiga ARENA quanto o antigo MDB eram sacos de gatos que pareciam destinados a se desintegrar tão logo fosse permitida a formação de novos partidos, e de fato isso começou a acontecer quando do fim do bipartidarismo. Mas foi também nessa ocasião que se manifestou pela primeira vez a já citada força que se oculta por detrás da aparente fraqueza partidos. Refiro-me ao veto à candidatura do deputado Paulo Maluf à presidência, que surtiu como consequência o rearranjo completo do quadro partidário pós-abertura. Paulo Maluf foi um arrivista que ousou articular seu caminho à presidência sem obedecer aos protocolos estabelecidos pela política de então, e por este motivo teve contra si os líderes mais conservadores do então partido governista, que preferiram liquidar seu próprio partido e passar à oposição a fim de barrar Maluf.

Em seu lugar assumiu Sarney, um político que sempre contou com vasto respaldo entre os extratos mais tradicionais da política brasileira, tanto que está no governo há 50 anos. Não teve problemas para manter-se no cargo. Mas aquela espécie de poder moderador capaz de descartar presidentes anticonvencionais não demorou a entrar novamente em ação: a vítima seguinte seria o jovem Collor de Mello. Tal como Maluf, Collor era inexperiente e audacioso, um arrivista que pretendeu assumir o poder sem articulações com as principais lideranças da política. Pouco se importava com partidos, haja visto que lançou-se pelo nanico e já extinto PRN. Acabou sofrendo impeachment.

Os sucessores de Collor foram políticos experientes de muita competência em articulações capazes de garantir-lhes uma boa base de sustentação. O país pareceu haver entrado em uma nova fase de maturidade institucional, onde traumas como o impedimento de um presidente seriam coisa do passado. Ao mesmo tempo, os partidos pareciam também estar ficando mais sólidos: desde então o país tem estado sob o domínio da dupla PT e PSDB, onde destaca-se o PT, o primeiro partido brasileiro surgido a partir de uma semente, ao invés da desagregação de um sistema partidário anterior, como foi o caso de todos os demais partidos e inclusive do PSDB. Desta forma o PT distinguiu-se desde sua origem por sólida disciplina entre seus militantes e aparente coerência entre ideias e ação, algo que no quadro nacional confuso de partidos fracos e sem identidade própria constitui uma enorme vantagem. Teríamos, então, finalmente partidos fortes e uma política sem surpresas?

Mas o fenômeno repetiu-se com Dilma Rousseff. Em termos de ideias e história pessoal, ela nada tem a ver com Maluf ou Collor, mas compartilha com aqueles dois sua condição de outsider, de peça que não se encaixa no tabuleiro político e quer governar sozinha. Mais uma vez os anticorpos do sistema mobilizam-se para expelir o corpo estranho. Ao contrário de seus antecessores, porém, ela conta com o respaldo de um partido forte, o que torna incerto o desfecho do caso. Prevalecerá o partido, submetendo as antigas lideranças dispersas no espectro político? Ou o país permanecerá sob a égide deste poder moderador sem rosto, sempre a postos para enquadrar presidentes anticonvencionais, sejam de esquerda ou de direita?

Não é possível responder com segurança, resta acompanhar os acontecimentos. Mas seja qual for o desfecho, o comportamento independente da Polícia Federal e do judiciário parecem ter inviabilizado uma forma tradicional de fazer política servindo-se do dinheiro público para comprar lealdades: seja quem assumir o governo daqui para diante, terá que encontrar outras fórmulas de governança. A menos que haja uma dramática reviravolta como a que sucedeu na Itália pós-mãos limpas.

 

 

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