De Volta à Escravidão  
  O tema da escravidão está na moda, e nos dias que correm, só perde mesmo para o racismo. Primeiro "descobriu-se" que o Brasil, país sem raças, é notória e indiscutivelmente um país racista, pobre de nós! E agora, eis que é feita outra descoberta sensacional: a escravidão, oficialmente abolida no dia 13 de maio de 1888, ainda existe por aqui. Não só existe como supostamente estaria em toda parte. Os fiscais do Ministério do Trabalho têm se esmerado em apontar casos de escravidão em vários pontos do território nacional. Foi feita até uma lei condenando à reforma agrária a propriedade onde for identificado trabalho escravo. Mas eu me pergunto, como a legislação pode referir-se a "trabalho escravo" se este mesmo conceito foi abolido da letra da lei há mais de 100 anos atrás?

Explica-se: trabalho escravo é todo e qualquer trabalho feito à margem das leis trabalhistas. Assim, é escravo aquele trabalhador rural que é recrutado por um "gato", sobe no caminhão, e lá chegando descobre que ao invés de salário a receber tem dívidas a pagar, em razão dos gêneros e utensílios que retirou do "barracão", tenta fugir e é impedido por uma turma de jagunços armados. É escrava também a empregada doméstica que trabalha sem carteira assinada, mesmo que receba seu salário em dia. E tenho uma revelação ainda mais sensacional a fazer: descobri que eu também sou um escravo. Sim, sou escravo. Olho para os meus pulsos enquanto escrevo e ainda não distingo a marca das correntes. Mas segundo os critérios do governo, eu sou um escravo. Mais precisamente, tornei-me um escravo desde dois anos atrás, quando fui despedido de meu último emprego de carteira assinada, e passei a trabalhar por empreitada, tocando um projeto aqui e outro ali, sem vínculo empregatício, e portanto, sem carteira assinada, sem FGTS, sem GPS, sem férias, sem 13o salário, sem aviso prévio, sem indenização rescisória, e... sem encher os bolsos do governo graças a todos estes encargos. Pois para atende-los, o empregador que se dispõe a assinar a carteira tem que despender cerca de 1/3 a mais do que despenderia se pudesse negociar livremente o contrato de trabalho com seu empregado. Desnecessário dizer que o resultado disto são salários mais baixos e menos vagas abertas.

E como está na moda construir metáforas sobre a escravidão, eu também farei a minha: se o dono da padaria da esquina quer contratar um empregado pelo regime de carteira assinada, mas para fazê-lo ele necessita recolher uma determinada quantia aos cofres do governo, não teríamos aí um contato com um agenciador que se coloca como "dono" da mão-de-obra? A situação me lembra uma outra, muito comum no Brasil do século XIX. Eram abundantes nos jornais daquele tempo anúncios oferecendo escravos de aluguel. Assim, se você queria uma diarista para fazer uma faxina em sua casa, você não ia até a mulher e combinava o preço. Você ia até a dona dela, em geral uma viúva sem outra fonte de renda, combinava o preço, e no dia seguinte estava a escrava em sua casa no horário marcado. Findo o serviço, você pagava, não a ela, mas à sua dona. A impressão que eu tenho é que, pelo regime de carteira assinada, todo o trabalhador já nasce escravo do Estado, que eventualmente aluga-o a um patrão mediante o pagamento de uma quantia denominada encargo trabalhista.

Enquanto os fiscais do Ministério do Trabalho saem por aí a cata de escravos, vou aproveitando as vantagens de minha recém-descoberta escravidão. Pego tantos projetos quanto posso tocar, e recebo por cada um deles. Trabalho domingos e feriados se assim o desejo, sem me preocupar se é proibido ou não. Tiro férias quando estou a fim. Pago o GPS pela faixa que eu escolho, não mais obrigatoriamente pela faixa máxima. E para pagar impostos, fiz o que todo o mundo faz: abri uma empresa colocando-me como sócio, que emite notas fiscais e recolhe os devidos tributos. Transformei-me, enfim, em uma pessoa física travestida em pessoa jurídica para efeitos fiscais. Sei que o governo já está de olho neste filão de empresários do eu sozinho, haja visto a M.P. 232, mas por enquanto estou no lucro. Não só a mordida do "Leão" é bem menor, como o volume bruto de pagamentos é bem superior, assim como é mais numerosa a oferta de trabalho. Os empregadores preferem contratar as pessoas jurídicas, sem perigo de serem achincalhados por algum juiz do trabalho qualquer. Meus projetos pessoais, que vinham arrastando-se a conta-gotas havia anos, agora estão deslanchando. A impressão que eu tenho é que melhorei de vida - mas na verdade, apenas readquiri o padrão normal que tinha o assalariado brasileiro antes da invenção da carteira assinada e seu corolário de "benefícios". Todos sabem que a previdência está quebrada. Onde foi, afinal, que o governo enfiou as contribuições recolhidas compulsoriamente por todos os empregados e empregadores de acordo com a lei trabalhista?

Faz mais de 100 anos, os brasileiros tiveram que fazer uma campanha pela abolição dos escravos. Hoje, é outra campanha que urge fazer: que volte imediatamente a escravidão!

 

 

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