Ecochatos & República de Paldora
 
 

Os ecologistas estão há tanto tempo em voga, que lhes é muito bem merecido o apelido de "ecochatos". Eu por mim não tenho nada contra eles, exceto pelo fato de que eles se incluem, com incômoda freqüência, em uma destas duas categorias: os excessivamente tolos e os excessivamente espertos. Não posso deixar de experimentar uma certa nostalgia do tempo que não vivi - o tempo em que "ecologia" era um termo altamente técnico que denotava a complexa interação entre as espécies e o meio-ambiente circundante. Mas de criança já me lembro de haver lido essa palavra esquisita em livros infantis, e o resultado é que hoje todos se arrogam de conhecer muito bem o que é ecologia, enchem o peito e abrem bem a boca quando pronunciam esta palavra.

Quanto a mim, não me arrogo nada, mas pelo que a minha cultura geral feita de leituras aleatórias me permite saber, a coisa não é bem assim do jeito que é diáriamente proclamada pela mídia. Uma breve lista de Mitos X Fatos pode ser apresentada:

Mito 1: A amazônia é o pulmão do mundo.

Quem acredita nisso perdeu aquela aula do ginásio onde foi explicado que as plantas consomem gás carbônico e produzem oxigênio, sim, mas só durante o dia. De noite, o processo se inverte, de modo que o saldo é praticamente nulo. A verdadeira fonte do oxigênio atmosférico são os oceanos, expostos à radiação cósmica, que converte a água (H2O) em água oxigenada (H2O2), de ligações fracas, que logo se decompõe em oxigênio e hidrogêneo gasosos. O hidrogênio, muito leve, escapa da atmosfera, mas o oxigênio vai substituir aquele que respiramos ontem. A verdadeira importância da floresta amazônica está na manutenção do clima e em impedir que a erosão leve a terra ao mar.

Mito 2: O fim da floresta amazônica será o apocalipse.

Será um grande desastre, o clima mundial será drásticamente afetado, mas o mundo continuará existindo. Os efeitos nefastos poderão ser sentidos até no hemisfério norte, sem dúvida prejudicando as colheitas na Califórnia e na Flórida, mas o efeito será bem mais devastador na América do Sul. Se somos nós os maiores interessados em impedir que isso aconteça, não deixa de ser estranho que sejam estrangeiros aqueles que mais se levantem para defender a preservação da floresta amazônica e condenar nosso descaso.

Mito 3: O índio tem consciência ecológica e preserva a floresta.

O índio não tem a menor idéia quanto à interação das espécies com o meio-ambiente, coisa que tampouco era sabida pelos europeus até a era científica. O índio não sobrevive sem destruir o que está a sua volta: ele derruba árvores para obter material para fazer sua oca (antes de ter machados de metal, ele usava machados de pedra), ele pesca espalhando no rio um veneno vegetal que mata muito mais do que ele vai consumir, ele caça fêmeas com filhotes. O que ocorre é que, como o número de índios é muito reduzido, essas depredações não chegam a ser significativas e a floresta se recompõe. O índio não preserva a floresta, eu diria que a floresta é que preserva o índio.

Mito 4: O índio mora na floresta.

O índio não mora na floresta. O índio mora em clareiras, onde suas ocas são erguidas. A floresta é inabitável por seres humanos, exceto aqueles que fizeram um severo treinamento de sobrevivência na selva. De fato, há lugares da floresta amazônica aonde nem os índios vão. Gostei da resposta que um índio deu certa vez a uma ecochata que lhe perguntou por que motivo ele passava o tempo em uma birosa na beira do rio, ao invés de ficar na floresta: "Porque não sou animal. Quem gosta de floresta é bicho".

Mito 5: O índio não tem agricultura, e por esse motivo não destrói a floresta.

Diversas tribos já conheciam uma agricultura primitiva desde a época da chegada dos primeiros europeus ao Brasil. Foram, inclusive, os índios que inventaram a técnica da queimada, mais tarde copiada pelos caboclos. Estima-se, até, que na época do descobrimento não haveria muito mais mata atlântica do que hoje em dia, graças ao uso indiscriminado da queimada pelos índios. Com o extermínio das tribos litorâneas, a floresta se recompôs, chegando ao auge por volta do século 18, quando então o aumento da população dos colonos no litoral impôs a sua destruição até os 8% a que se encontra reduzida hoje (esses 8%, em termos absolutos, perfazem uma área maior do que todas as florestas que restam na Europa).

Mito 6: O índio, em seu ambiente, tem saúde perfeita, e adoece tão logo entra em contato com os brancos.

É verdade que o índio adoece fácilmente após o contato com doenças para as quais não tem imunidade, mas lembrando a expectativa de vida das tribos sem contato - não mais que vinte e poucos anos - chega a ser uma piada insistir que o índio na natureza tem saúde de ferro. Seu meio-ambiente também possui agentes patogênicos, e a principal causa de morte nas tribos isoladas - bem como em todas as populações neolíticas - é a inanição, em épocas de escassez, que debilita o indivíduo e faz com que ele morra de infecções e ferimentos banais, que até o mais miserável favelado poderia curar com uma ida a um posto de saúde. Em certas tribos belicosas, a causa-mortis número um é, de longe, o assassinato. Sem contar que muitas tribos praticavam o infanticídio.

A insistência na repetição destes chavões não pode ser atribuída apenas à ignorância ou ingenuidade. Há interesses inconfessáveis envolvidos, conforme já foi muitas vezes denunciado e poucas vezes levado a sério. Se é paranóia afirmar que os EUA já estão preparando uma expedição para a semana que vem, também é falta de informação afirmar que essa idéia lhes seja estranha. Na verdade, é recorrente, e tão comum que estudos a respeito são citados até em documentos militares não-confidenciais, como este que peguei ao acaso na internet, de autoria de um certo major J. Carl Ficarrotta, que reproduzo aqui. É um interessante resumo das concepções que americanos e europeus em geral tem sobre a questão dos povos indígenas. Traduzirei alguns trechos:

"Estamos no ano de 200X. Você é o comandante da Décima Divisão Montanhista de Infantaria Leve. A divisão foi designada a uma missão na nova República de Paldora, na América do Sul. Sua missão é conduzir uma Operação de Construção Nacional e assistir os paldoranos na manutenção e desenvolvimento de suas instituições democráticas"

"Paldora é um país novo. Foi fundado em 200Y depois que a desordem econômica e política resultaram na desintegração do Brasil. O país tem aproximadamente o tamanho do nordeste da América do Norte. Embora extenso em área, sua população é pequena. A maior parte do território é parte da Floresta Amazônica. Econômicamente a nação está naufragando. A guerra civil brasileira destruiu a maior parte dos negócios e das indústrias"

Não é preciso grandes conhecimentos em geografia para perceber que a República de Paldora é a região norte do Brasil. De cara se nota uma mania norte-americana que prefiro atribuir, não à malícia, mas à ingenuidade: a crença de que é sua missão ensinar aos outros povos a prática da democracia. Esta convicção é reforçada por ser crença geral de que foi o exército americano que ensinou democracia aos alemães e japoneses após a segunda guerra, e desta forma pacificou estas nações. Entretanto, a democracia não é uma invenção americana: os fundamentos de suas instituições lhes foram legados pelo colonizador britânico. E é ridículo crer que os americanos possam "ensinar" democracia a quem quer que seja, pelo simples motivo de que o mundo não é uma escola, nem os americanos são os professores. Quem tem um conhecimento um pouco mais profundo de História sabe que tanto alemães quanto japoneses já haviam passado por experiências de democracia parlamentar no início do século XX, antes de cair na ditadura que os levaria à guerra. Ademais, os americanos também impuseram uma constituição a Cuba em 1903, e nem por isso Cuba tornou-se uma democracia.

Outro equívoco - este sim, um grosseiro erro de avaliação - é a convicção de que os povos indígenas brasileiros tem a capacidade de engendrar uma rebelião tão profunda que resulte em uma guerra civil e no conseqüente desmembramento da região. Estas tribos de poucas centenas de indivíduos combatem com tacape e facão, não tem nem remotamente a capacidade operativa para iniciar qualquer forma de rebelião geral, e mais importante do que tudo isso, não tem qualquer comando político unificado para lidera-las. Para isso, elas teriam que ser, não tribos, mas nações. Mas como a novilíngua ecologista impõe que elas sejam chamadas de "Nações Indígenas", compreende-se o equívoco. Meu avô já dizia, quem mente muito, acaba acreditando na própria mentira...

"Esta é uma missão de construção nacional. (...) Temos que aumentar o padrão de vida dos paldoranos. Isto significa tudo, desde construir escolas a dar vacinas. (...) Eu não quero dar ao povo a impressão de que estamos aqui por outra razão que não seja ajudar seu próprio governo"

"Algo de que vocês devem estar particularmente cientes é de que os paldoranos são um povo muito misturado. Parte da população consiste de uma classe média próspera, que facilmente se adaptaria a nossa cultura. Outras partes do país são menos avançadas. (...) A população da floresta consiste de tribos que ainda estão no estágio de caçadores-coletores."

"A tribo que habita a sua área de operações são os tinís. Nosso conhecimento sobre eles é limitado. História: pouco se sabe dos tinís antes de 1998. (...) Em 1998, o Brasil lançou projetos de extração madeireira massiva no coração de suas terras. Por causa disso, o povo tiní foi descoberto. (...) Embora pacíficos em geral, eles tem a reputação de serem implacáveis com o inimigo. (...) Cultura: os tinís são um povo profundamente religioso, que dá grande importância a rituais e tradições. (...) O mundo dos tinís está em perpétuo perigo de destruição pelas forças do mal, conduzidas pelo deus serpente, Balzaar. Os constantes esforços e sacrifícios de Leal (o deus bom) impedem que o mundo seja destruído."

"Após o primeiro mês, você recebe o convite de assistir a Cerimônia da Lua. (...) Após um jantar, a cerimônia acontece. Vários guerreiros conduzem uma mulher idosa e uma menina para uma área aberta. Em meio à cerimônia, eles re-encenam a luta entre Leal e Balzaar. Ao final, dois líderes tribais surgem carregando tacapes. Eles matam a golpes e desmembram a mulher e a menina. Este ato produz uma onda de aplausos e cânticos na assistência. (...) Você pergunta ao chefe da tribo o significado daquilo. Ele explica, essas duas foram ajudar Leal em sua luta contra Balzaar. Com seu sacrifício voluntário, elas asseguram a continuação do ciclo da vida"

"Ao deixar a cerimônia, você nota que os incidentes horrorizaram e enfureceram seus soldados. (...) Na manhã seguinte, você confirma que a cerimônia dura três dias, e mais execuções estão programadas. Você nota a tensão no ar a sua volta. (...) Eles dizem coisas como: 'Isto está errado' e 'Temos que detê-los'. Você chama pelo rádio e ninguém vem. Você é o comandante, tome uma decisão"

O dilema envolve uma questão que apaixona os ecochatos, o tal de "relativismo cultural". Não conheço esbulho maior. O princípio do relativismo cultural afirma que nenhuma cultura tem o direito de julgar outra, devido ao fato que, conforme o sistema de crenças e valores peculiar a cada uma delas, aquilo que está errado para uns pode estar certo para outros. Colocando isso em bom português, os britânicos cometeram uma abominação na Índia ao proibir o secular costume de queimar a viúva na mesma pira funerária do finado esposo. Os adeptos do relativismo cultural se esquecem de que há uma contradição óbvia entre permitir que cada um tenha o seu próprio sistema de crenças, e ao mesmo tempo afirmar que a dignidade humana é una e que existem direitos humanos universais. O corolário inevitável da tese do relativismo cultural é afirmar que a dignidade humana não é universal. Assim, uma viúva indiana pode ser queimada viva porque é indiana, e uma viúva ocidental não pode ser submetida à mesma ignomínia porque é ocidental. E no entanto, todos sabemos que o sofrimento e a morte nada tem de relativo, mas antes, são bastante absolutos... e irreversíveis. O sofrimento não é inerente à cultura. Aceitar o relativismo cultural é aceitar que as pessoas não tem o mesmo valor de parte a parte. Quem acredita nisso, ou é ingênuo a ponto de julgar que as diferenças entre os costumes de cada cultura são tão triviais quanto a diferença entre tomar café e tomar chá, ou então tem interesses inconfessáveis em manter os outros no obscurantismo.

Trocando em miúdos, este ensaio resume bem a estratégia que os pretensos defensores da ecologia desenvolveram para sua luta. Como eles decerto não esperam que os índios iniciem um bem-sucedido levante separatista, eles aproveitarão algum incidente menor, como uma refrega qualquer entre índios e lenhadores, e "descobrirão" um povo a que darão o nome de tiní ou outro qualquer, mas que na verdade será formado por indivíduos de diversas tribos diferentes, todos já devidamente cooptados pelas ONG's. Este povo reclamará seu direito à auto-determinação, no que será apoiado por organismos internacionais, e uma "força de paz" será enviada para criar a República de Paldora, ou outro nome qualquer. O resto é filme de Sessão da Tarde... crendices pitorescas, muito índio dançando, se matando em sacrifícios rituais, afinal, o que se espera de selvagens? Mas que eu saiba, os índios da região amazônica não fazem sacrifícios humanos, nem nunca praticaram o canibalismo, que era costume apenas das tribos litorâneas. Um autêntico índio do Amazonas teria motivos para se sentir ofendido se lesse o que o Major Ficarrotta escreveu a respeito dele. Fica no ar a questão: se eles defendem a auto-determinação para os índios, por que, ao mesmo tempo, insistem em retratá-los como bárbaros selvagens, capazes de fazer sanguinários sacrifícios de gente? Ah! Mas isso quer dizer que este povo tão primitivo (coitadinho!) não pode ser deixado à própria sorte, mas necessitará ser tutelado por seus "generosos libertadores". Até que o relativismo cultural se presta bem a objetivos de ordem prática...

 

  Início

adidas superstar adidas stan smith adidas stan smith zwart adidas superstar dames adidas yeezy adidas yeezy boost 350 adidas superstar canada adidas nmd adidas superstar adidas nmd canada adidas stan smith adidas superstar adidas stan smith dam adidas superstar dam