Dia de Eleição  
  Domingo passado fui votar. Tive trabalho foi para escolher candidato. Mas acabei escolhendo. Para vereador, uma moça que tem um projeto para revitalizar o parque em frente à minha rua. Para prefeito, César Maia, que este eu já sei como é, e não vou ter surpresas. E melhor ainda, assim eu me livro de ter que votar no segundo turno. Acabei quebrando um tabu de muitas eleições: o candidato a prefeito que recebe meu voto, nunca se elege. Cheguei a especular se minha maldição seria capaz de derrubar o favorito César Maia, mas felizmente para ele, meus poderes cabalísticos não são tão fortes assim.

Não são poucos os que se queixam do incômodo de ter que votar. Não é à toa que, no Brasil, o voto seja obrigatório: com os candidatos que temos aí, só forçando a barra mesmo. Vontade mesmo, não dá nenhuma. A toda hora eu vejo grafites na rua e mensagens na internet conclamando o povo a votar em nulo, e desta forma dinamitar o "estado burguês" por negar legitimidade ao processo eleitoral. Confesso que acaricio a idéia de anular meu voto. Mas aprumo-me, pego o título de eleitor, e vou à seção cumprir o ritual. Todos os candidatos são ruins? São. Mas como a concorrência é feroz, sempre tem um que é menos ruim. Este eu escolho - não raro quebro a cara, mas posso dizer que pelo menos eu tentei. Nunca deixei de votar em eleição nenhuma. E lembro-me bem do antigo ditado, aqueles que tem nojo à política são governados pelos que não tem.

Mas agora, ridícula mesmo é a suposição de que, se a maioria votasse nulo, se poria fim ao "estado burguês" e se obrigaria uma mudança do sistema político. Será que este pessoal sabe que, nos EUA, onde o voto não é obrigatório, menos da metade dos eleitores comparece às urnas? Ah sim, os EUA não são uma democracia de verdade, mas uma bem montada farsa, é o que dizem. Há pilhas e pilhas de mensagens na internet, em geral de pretensos grupos anarquistas, denunciando a farsa das eleições "burguesas". Só de ler isto fico com vontade de votar. É bem conhecida a tática deste pessoal, de desacreditar os processos democráticos e preparar psicologicamente o povo para a ditadura que desejam implantar. A lógica é esta: se o povo não elege quem eles querem, é porque os eleitores estão sendo manipulados pela mídia imperialista, as eleições são uma farsa e a democracia que temos não é legítima. Cumpre botar tudo isto abaixo e construir a nova democracia que eles preconizam, esta tão perfeita que - veja só - até se tornaria dispensável a realização de novas eleições e a fundação de outros partidos políticos. Acredite quem quiser. Mas alguma verdade no que eles dizem, sem dúvida que há. Começando pelo caso norte-americano. Pouca gente sabe, mas a constituição lá não garante que o presidente eleito será o mais votado. Isto porque o presidente não é eleito diretamente - o que se elege são os membros de um colégio eleitoral, que - geralmente - sanciona como presidente o candidato mais votado. Mais da metade dos eleitores não comparece. Os mesmos dois partidos - republicano e democrata - revezam-se no poder há dois séculos. Tal sistema pode ser considerado democrático?

Sim, pode. É pura verdade que a eleição americana é um jogo de cartas marcadas, onde se escolhe entre seis e meia-dúzia, e qualquer legenda que não seja as duas tradicionais não tem qualquer possibilidade de sobrevivência. Mas quem afirma isto se esquece de um detalhe: esta situação não é resultado de fraude ou impostura. Se o povo americano, livremente, deliberou que apenas aqueles dois partidos contemplam todo o seu leque de opções, e nada além disso lhes interessa, então seja feita a vontade da maioria. Afinal, democracia significa o governo da maioria, e não o melhor governo, ou o mais honesto. Significa também um conjunto de garantias individuais que devem ser respeitadas, inclusive o direto de pugnar por idéias novas, mesmo que estas nunca sejam referendadas em uma eleição. Sob este critério, os EUA são, indubitavelmente, uma democracia. E o Brasil?

Aí é mais difícil responder. Se o critério for o das garantias individuais, a resposta é não: o respeito a estas garantias sempre foi precário por aqui. Mas se o critério for o consenso da maioria, penso que poderíamos responder que sim. De modo geral, nesta terra, desde Dom Pedro II, os governos têm correspondido mais ou menos ao que o povo espera que um governo seja e faça. E isto vale, inclusive, para os governantes considerados ditatoriais. Afinal, não foi o ditador Vargas considerado o paizinho dos pobres? E será que o povo queria mesmo trocar Médici por Marighela? Além do que, se os critérios legais são fluidos e as constituições se sucedem, fica difícil diferenciar o ditador do presidente. Sei que muitos não concordarão com o que afirmei acima, de que no Brasil os governos geralmente correspondem aos anseios do povo. Olha, podem não corresponder aos meus anseios, ou aos seus, mas aos do povo, correspondem sim. O que o povo sempre quis era isso mesmo. Muitos repetirão que o povo é ignorante, e deixa-se engambelar pelas "elites" - e no fim, o que é realizado são os desejos da elite, e nunca os desejos do povo. Somos um povo bonzinho enganado por uma elite malvada, trata-se disto. É gostoso de acreditar, mas há uma incongruência neste raciocínio, um maniqueísmo pueril. Como pode o povo ser bom, e a elite má? Por definição, a elite é sempre superior à média. E quem diz isto não sou eu. Está no dicionário, na definição da palavra elite. Uma elite ruim nada mais é do que a amostra de um povo ruim. A única maneira de melhorar a elite é melhorar o povo. Se o povo elege figuras como Jader Barbalho, Antonio Carlos Guimarães, Paulo Maluf e Orestes Quercia, é porque se identifica com estes candidatos. São ladrões? Que importa! Não saiu do bolso dele, que não paga impostos. Saiu do meu bolso e do seu, que pagamos impostos. Nós não votamos em Jader Barbalho, ACM e cambulhada, mas que fazer? Somos minoria. E democracia é a vontade da maioria.

Apenas um eleitor que não paga impostos é capaz de votar em um candidato corrupto, sabendo que ele é corrupto. E no Brasil, os pobres são isentos de impostos, e constituem a maioria do eleitorado. É este o verdadeiro motivo da corrupção endêmica em nosso país, e não uma suposta vocação nacional para o "jeitinho", como se gosta de afirmar por aí. Claramente, nossa democracia não teve uma evolução análoga à das velhas democracias do Mundo Ocidental. Em outras paragens, a cidadania, aí incluso o direito de votar, sempre andou lado a lado com a obrigação de pagar impostos. No início, o direito ao voto era reservado só aos cidadãos que contribuíam para o fisco - fazia sentido, pois a atribuição original dos parlamentos limitava-se a aprovar ou rejeitar as taxas propostas pelo rei, e naturalmente isto interessava somente aos que pagavam estas taxas. É desagradável admitir, mas o fato é que o desenvolvimento da democracia moderna não esteve ligado a nobres e elevados ideais de igualdade e fraternidade, mas sim ao desejo muito mundano de defender o próprio bolso - afinal, se o rei vai enfiar a mão ali de qualquer maneira, que ao menos aplique a importância arrecadada de uma forma minimamente racional. Só em tempos mais recentes se lançou a idéia de que a cidadania e o direito de voto deveriam pertencer a todos, fossem ou não pagadores de impostos - isto ocorreu paulatinamente, a medida em que os parlamentos assumiam outras atribuições além da aprovação de novos impostos, e desta forma afetavam a vida da população como um todo, a qual, coerentemente, devia se pronunciar como um todo na hora de escolher seus representantes. Mesmo para países considerados evoluídos, como a Inglaterra, o sufrágio universal só chegou no final do século XIX. E o voto feminino - o verdadeiro sufrágio universal - só chegou no século XX.

Mas no Brasil, o sufrágio universal foi lançado de súbito, de cima para baixo, sobre uma população pobre demais para pagar impostos, e que por conseguinte não tinha motivo algum para se preocupar com a probidade dos políticos que escolhia. Quem não é pródigo com o dinheiro retirado da conta de um desconhecido? Se o eleitor não paga imposto, por que haveria ele de se importar se o político rouba um dinheiro que não saiu de seu bolso? É injusto. Mas não ilógico. Tenho atirado muitos adjetivos contundentes sobre este nosso Estado: paquidérmico, perdulário, corrupto. Só há uma coisa de que não posso acusá-lo: de ilegitimidade. Pois este Estado paquidérmico, perdulário e corrupto representa a concretização dos desejos da maioria da população, que sonha com um Estado paternal, que supostamente irá confiscar o dinheiro dos ricos malvados e distribui-lo para os pobres bonzinhos. Afinal, nunca vi ninguém fazer passeata contra a carga tributária que se aproxima dos 40%, nem conta o fato de se levar 150 dias para abrir uma empresa, muito menos contra a multiplicação de cargos comissionados para os petistas (ora, a função do Estado não é gerar empregos?)

Fatigado de falar mal dos políticos, empunho meu título de eleitor e vou votar. Tem que haver ao menos um melhorzinho. Existe político que não seja corrupto? Talvez sim. Não conheço nenhum pessoalmente, mas a política está em meu sangue. Quem me vê em minha insignificância, mal desconfia que sou bisneto de gente que não era pouca porcaria. Meus bisavós foram ministros, deputados, senadores e governadores de estado. Em Minas Gerais, há ruas, praças e até cidades com o nome de minha família - Bueno Brandão. E no entanto, eu faço força para me lembrar, repasso um a um os membros do lado Bueno Brandão de minha família, e não consigo apontar nenhum que pudesse ser considerado rico. Eles eram, é certo, mais bem de vida do que eu sou hoje em dia, mas para isso não é preciso muito esforço. Rico mesmo, nenhum. Se eles roubavam o erário, devem ter esquecido o número da conta na Suíça. Ou vai ver não havia muito o que roubar naqueles tempos em que o Estado não tinha o pesado encargo de distribuir aos pobre o dinheiro dos ricos...

 

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