A Ampulheta dos Traficantes  
 

Prossigo em minha ronda pelos forums da internet. Vejo que a questão da criminalidade continua a dominar os debates, fato que em si já é auspicioso, visto que o procedimento normal entre nós é voltar à rotina tão logo o crime escabroso que momentaneamente nos tirou do marasmo seja esquecido. Mas desta vez não - será que alguma coisa, finalmente, será feita? As discussões têm se concentrado no tópico da redução da maioridade penal, providência que, se tomada isoladamente, será inócua, pois o que se faz necessário é reformar o Código Penal por inteiro. Mas não é a primeira vez que observo, nas pessoas, esta atitude evasiva. Quando confrontados com um problema grave e de difícil solução, muitos tendem a se comportar como o bêbado de uma antiga anedota. Conta-se que o cidadão, ao chegar em casa vindo do bar, tarde da noite, deixou cair no chão a chave no momento em que tentava encontrar a fechadura. De gatinhos, pôs-se a tatear o chão à procura da chave perdida. Nisso, surge um guarda. Pergunta por que o homem procura. "Minha chave", responde o sujeito. O guarda dispõe-se a ajudar. Notando que o homem está tateando ao redor de um poste de iluminação, pergunta se foi ali por perto que a chave caiu. "Não", responde o homem, "foi ali do outro lado". O guarda surpreende-se. Pergunta por que diabos o homem não está fazendo sua busca no lugar onde a chave caiu. "Porque ali está muito escuro, ora!" Responde o sujeito.

Do mesmo modo eu tenho notado, nos debates sobre o que fazer contra o crime, esta mesma disposição exacerbada em achar uma solução definitiva, combinada com a firme determinação de evitar, a todo custo, o terreno onde o problema efetivamente se encontra. Fala-se na redução da maioridade penal, como se todos os criminosos fossem menores de idade. Esbraveja-se contra os criminosos de colarinho branco e os corruptos de Brasília, como se eles fossem tão perigosos quanto traficantes e seqüestradores. Fala-se que os "verdadeiros" culpados seriam respeitáveis senhores residentes na avenida Vieira Souto, que controlariam todo o tráfico, quando já está mais do que claro que os Fernandinhos Beira-Mar negociam diretamente com os chefes dos cartéis produtores na Colômbia. Afirma-se que a solução seria vigiar as fronteiras e barrar a entrada das drogas, esquecidos que nossas fronteiras são mais extensas que a Grande Muralha da China. Fala-se que o justo seria prender os consumidores e não os traficantes, afinal estes são garotões riquinhos (que desgraçados!) e aqueles são favelados (que infelizes!) As ONG's sobem os morros fazendo passeatas "pela paz", como se a população dos morros estivesse em guerra contra elas, e como se os bandidos tivessem uma face pública respeitável e uma reputação a zelar que os tornassem sensíveis a manifestações públicas da sociedade civil. Enfim, propõe-se de tudo, menos ir às favelas e trazer de lá os traficantes algemados. Ao fundo, as mesmas cantilenas de sempre clamando por mais "cidadania" aos favelados, mais escolas, mais postos de saúde, todas essas providências sem dúvida necessárias, mas que têm efeito zero sobre o crime, pois o garoto vai continuar trocando a escola pelo tráfico enquanto este lhe pagar muito mais do que qualquer trabalho honesto e lhe oferecer razoáveis chances de impunidade.

Diante deste impasse, sinto-me obrigado a entrar na discussão e apresentar minha proposta de combate ao crime. Primeiro de tudo, exibirei um modelo de como vejo a situação.

Este modelo é uma ampulheta. Todos sabem que este antigo artefato de medição do tempo tem um topo largo, uma base larga, e unindo ambos, um funil estreito. O topo largo eu comparo aos produtores de drogas. Eles se encontram no estrangeiro, fora do alcance de nossa polícia, e têm mil maneiras de introduzir a droga em nossas fronteiras, que são vastíssimas. Vigiá-las eficazmente é uma impossibilidade absoluta. Portanto, quem afirma que a solução seria barrar a entrada das drogas, na verdade não quer resolver o problema.

A base da ampulheta é constituída pelos consumidores de drogas. Eles são muito numerosos e estão dispersos em todos os setores da sociedade, e não apenas entre os ricos, como se afirma. Acabar com o tráfico de drogas mediante prisão dos consumidores, além de operacionalmente inviável, seria legalmente duvidoso, pois muitas vezes as drogas são consumidas em espaços privados, longe das vistas da polícia. Portanto, quem afirma que a solução seria esta, na verdade não quer resolver o problema.

O funil estreito que une produtores e consumidores são as favelas dominadas por traficantes. Todas as engrenagens da distribuição se encontram lá, neste espaço sem lei, porém relativamente exíguo do ponto de vista geográfico, o que faz dele o ponto fraco por onde a estrutura do crime deve ser atacada. A favela é o castelo do traficante, e é notório que grandes chefes de quadrilha, mesmo dispondo de vultosas somas de dinheiro e vários imóveis em diversas cidades, prefiram continuar passando nas favelas a maior parte do tempo. É compreensível: na favela, eles são reis; fora delas, são pé-rapados. É lá que eles devem ser atacados.

A tática que recomendo é a mesma usada por Israel contra os acampamentos de refugiados controlados por facções terroristas. Não que eu deseje entrar no mérito do conflito árabe-israelense, apenas traço um paralelo entre os dois teatros de operação. Os acampamentos de refugiados em muito se assemelham às favelas brasileiras. Em geral, o exército faz o cerco, ninguém entra nem sai, e um grupamento especial faz o pente fino, destruindo as casas se encontram resistência. A maioria dos terroristas foge, pois estes acampamentos, tal como as favelas brasileiras, são labirínticos e estão cheios de passagens secretas. Mas deixam para trás as bases, as armas, a munição. Do mesmo modo, a maioria dos traficantes escapará, mas deixará para trás os estoques de drogas e o armamento pesado. O golpe será duro, e eles custarão a se recuperar, de modo que, se essas incursões forem freqüentes, o tráfico de drogas se tornará um negócio cada vez menos lucrativo. É indispensável que os grupamentos encarregados desta missão estejam sempre de prontidão, sejam sempre oriundos de outros estados, a fim de prevenir a intimidação e a corrupção destes agentes mal pagos, e que a favela que será o alvo da vez seja escolhida aleatoriamente apenas na véspera do dia marcado, a fim de evitar vazamento de informação. Como de costume, muitos irão afirmar que se trata de um método excessivamente drástico. Outros irão argumentar que só a repressão não basta, que os soldados deveriam permanecer nas favelas indefinidamente e executar ali obras de infra-estrutura, como postos de saúde, creches, escolinhas, manilhas de esgoto. Quem propõe isso se esquece de uma coisa: nenhum inimigo continua sendo inimigo após uma longa convivência. Benfeitorias são necessárias nas favelas, mas se elas forem feitas antes da expulsão dos bandidos, apenas ocorrerá o que já ocorre hoje com a ação das ONG's nas favelas: uma providencial "trégua" terá que ser negociada a fim de permitir a execução daquela obra de interesse comum a todos, inclusive dos bandidos, que terão cada vez mais sacramentado seu papel de intermediários e legítimos representantes de suas comunidades junto às autoridades.

Que ninguém se iluda: é imprescindível que os bandidos das favelas sejam vistos como o inimigo, membros de um exército invasor que se apoderou de parcelas de nosso território, e como tal devem ser combatidos. É ingênuo supor que o favelado se torna bandido em razão de suas carências materiais, e os fatos desmentem desta assertiva: as favelas onde o crime é mais forte são justamente aquelas onde o poder público se encontra menos ausente. Refiro-me às favelas mais antigas que estão encravadas no interior de bairros populosos, onde bem ou mal existe abundância de escolas públicas, postos de saúde, delegacias de polícia, locais de emprego. Nas favelas distantes da periferia, onde há carência aguda dos itens mais essenciais, até de bicas d'água, o crime ainda é incipiente, e quando há, são ladrões de galinha. É equivocado supor que o jovem favelado se torna bandido porque não encontra vaga na escola ou emprego. Ao contrário do que supõe o senso comum, quase todos os favelados freqüentam a escola ao menos por alguns anos, e quase todos os favelados trabalham, mesmo que seja em biscates ou expedientes avulsos. O que ocorre de fato, é que o crime, nas favelas, se tornou uma carreira: o jovem abandona a escola e se torna "soldado" do tráfico porque este lhe oferece pagamento muito superior ao que ele obteria trabalhando, mesmo se houvesse completado a escola. Observando o exemplo de vários conhecidos seus que se tornaram criminosos e ganharam muito dinheiro, nunca foram presos, ou se o foram, a FEBEM logo os colocou de volta nas ruas, o jovem candidato a bandido conclui que o risco compensa - o que mais poderia concluir? O combate ao crime não se fará aumentando o número de vagas na escola ou no emprego, mas sim suprimindo as vagas oferecidas pelos traficantes, e a única maneira de fazê-lo é suprimindo o traficante.

Nenhum combate ao crime será eficaz enquanto autoridades e cidadãos comuns não se desvencilharem do entulho de equívocos que lhes foi legado pelos sociólogos marxistas: a crença de que o crime é conseqüência da pobreza e da injustiça social, e que só pode ser sanado se forem eliminadas suas causas. Esta suposição chega a ser um insulto para milhões de pobres honestos. Se pobreza causasse crime, todo servente de pedreiro seria ladrão, e nenhum deputado seria corrupto. O deputado rouba pelo mesmo motivo porque o garoto favelado rouba: porque ele já viu alguém antes dele fazer aquilo sem ser punido. De resto, o mundo está abarrotado de exemplos de países que são mais pobres que o Brasil, e têm taxa de crimes muito inferior. A Índia tem um PIB per capita bem menor que o brasileiro, e o sistema de castas ainda vigente por aquelas bandas torna as diferenças sociais extremamente pronunciadas e acintosas - e com tudo isso, a Índia tem menos crimes que o Brasil. Nem é preciso ir tão longe: na América Latina mesmo há vários países, como Equador, Peru e Bolívia, que são mais pobres que o Brasil e tão desiguais quanto, e têm menos crimes. Tampouco os países ricos são necessariamente tranqüilos: como explicar, por exemplo, a alta taxa de crimes na Chicago de Al Capone, nos anos vinte? Acaso a região era pobre, cheia de favelados e miseráveis? Não! Era a região mais próspera dos EUA. Mas qualquer pequeno marginal das ruas de Chicago, observando o exemplo de Al Capone, a quem foram atribuídos mais de 400 homicídios sem ser preso por nenhum deles, não poderia evitar de pensar: se ele conseguiu, então, por que não eu? O mesmo ocorre no Brasil dos dias atuais. A única causa do crime é a impunidade, e o único combate eficaz ao crime consiste de prender os criminosos. As causas sociais e psicológicas do crime não podem sequer ser conhecidas com exatidão, muito menos eliminadas; quem propõe isso, na verdade não quer resolver o problema, ou pior ainda, quer pegar uma carona no fenômeno da criminalidade para chegar ao poder.

Muitos vão objetar - desta vez com razão - o que se fará com a multidão de bandidos presos por estas incursões "pente-fino" que propus, se o sistema carcerário já está próximo do colapso? Para isto, tenho uma outra sugestão. É imprescindível que a população carcerária brasileira deva aumentar em muito - apenas como exemplo, os EUA tem uma população carcerária cinco vezes maior que a brasileira, embora tenham uma taxa de crimes bem inferior, o que evidencia que, no Brasil, há muito mais criminosos fora da cadeia do que na cadeia. O alongamento das penas também é necessário - por que outro motivo o chefão encarcerado continua a chefiar sua quadrilha da cadeia, a partir de telefonemas e recados levados pelos advogados, senão por ter certeza de que em poucos anos estará solto e poderá usufruir do dinheiro ganho por sua quadrilha durante este período? Tivesse ele a certeza de que nunca mais sairia vivo da cadeia, não teriam motivo algum para se dar ao trabalho de continuar chefiando seu bando, sabendo que não será ele, mas apenas os cúmplices que irão usufruir dos ganhos auferidos. Tampouco sua quadrilha continuaria a reconhecer como chefe alguém que nunca mais sairá da prisão. Um ponto é pacífico: mais prisões têm que ser construídas. Na impossibilidade de se construir presídios em tempo recorde, eu proponho que navios sejam adaptados como prisões flutuantes. A idéia parece inusitada, mas procede: isto requer menos tempo e um custo inferior do que a construção de novos presídios; os navios, navegando longe da costa, são bastante seguros; os presos não poderão se comunicar com telefones celulares, e mesmo se ocorrerem motins, eles não terão para onde fugir. É desconfortável ficar preso em um porão de navio? Com certeza. Mas não pior que as celas superlotadas de nossos presídios em terra firme.

Já se tornou lugar-comum argumentar que a criminalidade no Brasil atingiu as dimensões de uma verdadeira guerra civil. Resta, então, agir como se age em uma verdadeira guerra.

 

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